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Um ano sem Carrie Fisher: Por que ela fez ainda mais falta do que esperávamos?

O velho ditado já dizia que só percebemos o valor de uma pessoa quando a perdemos – esse dia 27 de dezembro marca um ano desde que começamos a perceber o valor de Carrie Fisher, uma das mulheres mais brilhantes e fundamentais que já passaram por Hollywood. Esse texto não tem a intenção de canoniza-la ou idealiza-la (porque ela odiaria isso), mas de celebra-la como a mulher completa que foi, corajosamente, até os últimos dias de vida.

Não haveria Leia Organa sem Carrie Fisher. Olhando hoje, à luz do século XXI, para o Star Wars original de 1977, o quanto da revolução encarnada na personagem estava descrita de fato no roteiro, e o quanto foi Carrie que a emprestou? A princesa que não precisava de salvamento, ativamente envolvida em uma Aliança Rebelde, ainda servia de terceira vértice de um triângulo amoroso entre os dois heróis principais do filme, e tinha sua história pessoal largamente relegada ao pano de fundo, sendo proibida de propriamente processar o luto pela destruição de seu planeta (e sua família) no primeiro longa.

Carrie Fisher como Leia

Descontando toda a influência que Fisher teve no roteiro de Star Wars – mesmo a partir do primeiro, quando as histórias de seu improviso e colaboração com Lucas no script são lendárias –, Leia deve sua existência como mulher independente e autossuficiente a uma filha da realeza de Hollywood que a moldou obstinadamente. Talvez fosse o espírito rebelde de fugir da imagem de “mocinha inocente” da mãe, Debbie Reynolds, que levou Fisher a se tornar uma das mais simbólicas bad girls de Hollywood.

Carrie explorou uma vida de sexo, drogas e (presumimos) rock n’ roll ao atingir a fama pelo retrato brilhante da Princesa Leia. Por tumultuados anos na década de 1980, ela arriscou se tornar um “talento perdido” de Hollywood, mas ao invés disso se reinventou como escritora, e colocou a vida torturada que a fama lhe trouxe em palavras saudadas por seu humor perfeitamente particular e autodepreciativo. Como Lembranças de Hollywood (1990) deixa claro, Fisher não tinha medo de ser honesta sobre os erros que cometeu e as vezes em que se colocou no caminho de seu próprio sucesso.

Meryl Streep e Carrie Fisher nos bastidores de Lembranças de Hollywood (1990)

Ouvir esse tipo de honestidade de uma mulher em Hollywood era refrescante porque, em momentos demais, a pressão pela construção de heroínas perfeitas é confundida com empoderamento feminino. Fisher nos provia a história complexa, perenemente bem-humorada, espetacularmente terna, absurdamente ácida, de uma mulher que se perdeu de propósito e se achou por acaso, cujas relações complicadas com aqueles ao seu redor nunca poderiam passar-se por modelos de comportamento, mas sem dúvida eram marcas da própria condição humana.

Carrie Fisher fez mais falta do que esperávamos nesse ano porque não temos ninguém como ela. Porque, em 2017, quando indignidades e machismos foram expostos na própria indústria em que ela trabalhava, Fisher não estava aqui para nos oferecer seu olhar de aprovação acompanhado com um “eu já sabia” ou um “eu bem que te disse”. É fácil imaginar qual seria a potência da voz dela por todos os eventos dos últimos 12 meses, e é de quebrar o coração pensar que não a ouvimos esse tempo todo.

Carrie Fisher com Rian Johnson nos bastidores de Os Últimos Jedi (2018)

Na minha sessão de Star Wars: Os Últimos Jedi, enquanto observava a agora General Leia liderando exércitos, recriminando um filho postiço ou demonstrando o laço único que tem com outra personagem feminina importante, era impossível não ter a sensação de que, por mais que eu ame essa personagem transformada em ícone da cultura pop, eu amo ainda mais a mulher que trabalhou e suou para que ela se tornasse isso. Dói ver os últimos momentos de Leia na tela, mas dói mais ver os de Fisher – porque, ao contrário do que acontece com a personagem ficcional, revisitar o trabalho dela nunca será o bastante.

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