É curioso pensar no rumo que a carreira de Bryan Singer tomou. Nascido em Nova York em meados dos anos 1960, o cineasta emplacou seu primeiro sucesso em 1995, com o thriller criminal indie Os Suspeitos, que faturou Oscar para Kevin Spacey e para o roteirista Christopher McQuarrie.
Engenhoso em sua estrutura e feito com em torno de 6 milhões de dólares, Os Suspeitos não prevê o futuro de seu diretor, que cinco anos depois assumiria o comando da primeira adaptação dos mutantes mais famosos da Marvel para o cinema.
Quando X-Men: O Filme saiu, em 2000, o gênero do filme do super-herói andava de mal a pior, menos de três anos depois do desastroso Batman & Robin, de Joel Schumacher. Em muitos sentidos, o sucesso do filme de Singer pode ser considerado o verdadeiro primeiro empurrão para chegarmos à atual era de domínio dos vigilantes super-poderosos sobre o cinemão comercial americano.
É um filme que, visto hoje, parece bastante modesto. Com apenas 1h44m de duração, X-Men: O Filme se esforça para apresentar todos os seus personagens apressadamente, construir uma trama que faça sentido com eles, e explorar a relação entre essas criações clássicas dos quadrinhos, especialmente a inimizade/amizade entre Charles Xavier (Patrick Stewart) e Magneto (Ian McKellen). É um filme que ensaia o que a franquia dos X-Men poderia se tornar, mas que já conserva o brilhantismo e a clareza da forma como Singer enxerga esse universo.
É em X2, de 2003, que todo esse potencial é realmente explorado, no entanto. Saindo um ano depois de outro marco da recente leva de filmes de super-heróis (Homem-Aranha, de Sam Raimi), X2 segue sendo um dos filmes do gênero mais ambiciosos, interessantes e profundos tematicamente. Singer, com a ajuda de um roteiro espetacular redigido pelos dois autores do primeiro filme com a ajuda de Michael Dougherty (Contos do Dia das Bruxas), cria uma complexa teia de personagens e discussões, e um filme tão bem-realizado que fica difícil botar defeito.
X2 é sobre discriminação e preconceito, sobre as possíveis reações a essas opressões, sobre a formação da identidade e a importância que determinadas figuras ganham na nossa vida conforme vamos descobrindo quem somos. É um filme que coloca Halle Berry (Tempestade), uma atriz negra, conversando sobre raiva e fé frente à discriminação com Alan Cumming (Noturno), um ator assumidamente homossexual. É um filme absolutamente a frente do seu tempo, exponencialmente maior em escopo do que o seu predecessor, e Bryan Singer o dirige com a habilidade de um mestre.
Em X2, cada take tem algo a ser visto. Trabalhando com o diretor de fotografia Newton Thomas Sigel (Drive), Singer inova nos ângulos de câmera, buscando significado em cada corte e em cada informação visual, nunca desperdiçando ou escolhendo gratuitamente um determinado enquadramento. X2 é um filme de ação excitante, mas é também um banquete para os olhos de quem entende de cinema – e essas duas coisas poucas vezes vieram tão bem conjugadas desde 2003.
Singer pulou fora da franquia depois disso, talvez pensando que seria incapaz de se superar dentro dela. Seus quase 10 anos fora da série renderam Superman: O Retorno, Operação Valquíria e Jack, o Caçador de Gigantes, todos filmes largamente ignorados pelo público, mas que tem suas qualidades se observados da maneira certa. Enquanto isso, os filmes dos mutantes se tornaram desastrosas invenções de estúdio, com diretores como Brett Ratner (X-Men: O Confronto Final) e Gavin Hood (X-Men Origens: Wolverine) assinando entradas que estavam mais preocupadas em apresentar novos personagens para fazer parte da linha de marketing da Fox do que em acertar nos temas e construções importantes da história.
O quase sempre certeiro Matthew Vaughn botou a coisa de volta nos trilhos com X-Men: Primeira Classe, uma charmosa aventura de época que voltava ao passado dos personagens para analisar a relação entre eles e os acontecimentos e encontros que marcaram essa relação. Com Magneto e Charles novamente à frente do grupo de personagens, e a discussão central da franquia novamente em primeiro plano, Primeira Classe é provavelmente o único filme não dirigido por Singer a chegar aos pés de X2 – mas o retorno dele em 2014, com Dias de um Futuro Esquecido, só veio para mostrar o quanto sua visão é importante para a série.
Por mais que Primeira Classe seja ótimo, Dias de um Futuro Esquecido tem uma coesão e uma identidade (visual, conceitual) que é muito mais identificável como um filme dos X-Men. Não é só o retorno dos velhos personagens, mas a forma como os poderes das novas adições ao elenco são tratados, o humor cuidadosamente controlado de algumas passagens, o tratamento da continuação da história das versões mais jovens de Charles, Magneto e companhia. Dias de um Futuro Esquecido, em muitos sentidos, é para Primeira Classe o que X2 foi para X-Men: O Filme, uma evolução natural que, ao mesmo tempo, é conduzida e forçada por um diretor talentoso que entende o meio em que transita.
Quem assistiu Os Suspeitos ou até mesmo o segundo filme de Singer, O Aprendiz, não diria que o chamado desse nova-iorquino como diretor seria entender e comandar aventuras de um grupo de mutantes que abriria espaço para filmes de super-heróis que raramente os superaram em profundidade e importância. Faz sentido, no entanto, que o cinema de quadrinhos precisasse de alguém que enxergasse muito mais o seu potencial narrativo e temático do que seu impacto visual.
O novo filme de Singer na franquia, X-Men: Apocalipse, sai dia 19 de Maio de 2016 no Brasil. Veja o trailer aí embaixo: