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Crítica | Aquaman

Aquaman chega ao cinemas com as mais diversas expectativas dos mais diversos públicos. Enquanto os fãs, em uma porcentagem bastante representativa, polarizam essa era onde super-heróis se tornaram quase que um gênero com uma das rentabilidades mais agradáveis da indústria, a Warner parece ter deixado de lado o universo que tentava criar para agradar ao público, de uma maneira muito mais acertada do que quando o fez com Esquadrão Suicida e Liga da Justiça. Ao mesmo tempo, o longa promete apimentar ainda mais as discussões de comparação entre a as adaptações da DC e as da Marvel Comics.

Se Aquaman deixa algo bem claro, é que a Warner se livrou das amarras sombrias nas quais seu universo estendido se firmou a partir de Homem de Aço. O que alguns podem chamar de “marvelização” da DC, soa mais como um convite para incendiar a guerra que os fãs de quadrinhos criaram. O filme se propõe a mostrar em vários momentos que o que está sendo feito na Disney pode ser aplicado ao seu universo. Muitos são os exemplos de como a competição desse mercado afetou a DC, que dessa vez não deixou a desejar para os filmes da concorrente.

Se a Marvel trouxe elementos de roteiro que juntos já são chamados de fórmula, Aquaman pega emprestado uma boa parte deles. O mais notável é como o longa consegue aplicar esses elementos sem de fato utilizar dessa fórmula como um guia. O ponto mais evidente disso no roteiro são os diversos alívios cômicos que o filme traz. Apesar de alguns poucos poderem ser visto como um exagero, são menos ainda os que se mostram fora de hora, o que faz o clima da película se manter estável em toda a sua duração. Nenhuma piada quebra a atmosfera proposta ou mesmo o que já havia sido estabelecido da personagem em Liga da Justiça. Mais do que isso, entender quem é essa versão de Arthur Curry que acompanhamos só mostra que a Liga da Justiça foi de fato um filme que aconteceu muito cedo.

Em Aquaman encontramos um protagonista que, mesmo ciente de suas origens e poderes, ainda não havia atendido a etapa do “chamado” que Jospeh Campbell propõe em suas teses sobre a jornada do herói. Aproveitando-se disso, David Leslie Johnson-McGoldrick, Will Beal, Geoff Johns e James Wan sugerem completar a saga do monomito. Para isso, a escolha foi acertadamente abandonar os padrões dos anos 2000 que ainda ressoam nas sagas dos vigilantes. A lógica de camuflar a fantasia com elementos de ficção científica estabelecida na primeira metade da década passada com a trilogia X-Men e Homem-Aranha, que assim foi seguida por Batman Begins e consagrada mais para o final da mesma década com Batman: O Cavaleiros das Trevas e Homem de Ferro, é jogada fora. Assim, o que o filme faz é abraçar uma aventura fantástica que trata a questão do super-herói com um sub-gênero que é quase que descartável.

Em Aquaman, o que vemos é o orgulho de trazer o que a DC propõe nos quadrinhos. Diferente da Marvel Comics que, de forma igualmente válida, propõe personagens super-humanas, a DC Comics se valida de trazer na maioria de suas personagens uma representação quase que divina. É aí que o filme se aceita como uma obra que conta mais do que a história de um ser extraordinário, mas de uma lenda. O que acompanhamos em seu enredo é uma versão extremamente fantástica do mito do Rei Arthur, onde acompanhamos um homem ascender como um Deus perante seus semelhantes ao se provar digno de uma arma lendária e, consequentemente, de reinar seu povo.

Dessa forma, pôde-se sutilmente alterar a paleta sombria da qual o universo no qual ele estava inserido (e que não é negado ou descartado) se apoiava para cores mais vivas, conforme o chamado, na forma de Mera, Orm e Atlântida, vai chegando ao herói. Esse é outro ponto em que a Warner parece ter ouvido dos fãs que pediam uma semelhança maior de seus filmes com os da Marvel Studios. Ainda, graças ao Reino de Atlântida, o longa pode abusar das cores como jamais foi feito nas telas, dando a impressão de que estamos vendo as clássicas cores chapadas das HQs. Contudo, a empresa não trouxe isso para o filme somente para agradar aos fãs, mas também para mostrar que é igualmente capaz. Outra evidência disso é a presença da tecnologia usada pela Disney tanto na Marvel Studios quanto na Lucasfilm para rejuvenescer os seus atores. A técnica é empregada, sem dever nada à concorrente, em Temuera Morrison e Willem Dafoe quando os vemos no passado e ela não está ali por puro acaso.

O aspecto semelhante aos quadrinhos e a exploração do gênero de aventura se fazem ainda mais precisos por conta da direção de James Wan. Quando trabalha um enquadramento estático dentro de, por exemplo, uma conversa entre as personagens, o que Wan traz é algo muito próximo dos quadros dos gibis. Mas o filme te dá poucas oportunidades de respirar, devido ao ritmo frenético empregado pelas suas muitas cenas de ação. Dentro dessas, o ponto mais forte também vai para o olhar de Wan, que quase não usa de cortes, mostrando sem medo sua ótima coreografia em uma câmera que se movimenta de forma que permite ao espectador vivenciar as cenas de diversos ângulos. Um único ponto reprovável se mostra durante uma perseguição onde acompanhamos Mera correndo por telhados da Sicília. Dois rápidos momentos, que já apareciam nos trailers, mostram o rosto da atriz focado em um fundo que deve incomodar os olhos mais atentos. Mas não é nada que verdadeiramente atrapalhe o consumo da obra.

No mais, todos os efeitos especiais são um show à parte. Todo momento em que o filme se encontra debaixo d’água, ele usa a técnica de maneira impressionante, seja para representar os cabelos das personagens, criaturas fantásticas ou a arquitetura e a tecnologia de Atlântida. Nesse ponto, o gênero também se mistura perfeitamente para que o filme consiga explorar todo seu potencial. Além de representar de forma magnífica o que é o reino, a tecnologia permite que possamos ver algo semelhante as batalhas de naves de Star Wars no mesmo cenário em que vemos batalhões de soldados se encontrando como vemos em filmes de guerras medievais. São tantos os paralelos que podem ser traçados devido ao fluxo intenso e mutável do filme, que em momentos você pode se sentir dentro de filmes de Steven Spielberg, como Indiana Jones e As Aventuras de Tintim, como se ver em cenas de Piratas do Caribe ou até mesmo de Os Goonies. Tudo isso sem perder ritmo, clima ou mesmo sua essência.

A direção de Wan também se destaca ao mostrar como cada ator é aproveitado na película. O carisma de Jason Momoa é tão bem usado quanto seu porte de estrela de filmes de ação. O tom da personagem é estabelecido logo no começo, onde vemos sua melhor atuação até agora, mostrando uma personagem que mescla um arquétipo brucutu ao mesmo tempo que sagaz. Patrick Wilson também mostra mais uma vez sua capacidade como ator, trazendo um vilão digno de se opôr ao protagonista, mostrando um ótimo trabalho toda vez em que é requisitado. O mesmo pode se dizer de Yahya Abdul-Mateen II, mesmo que Arraia Negra seja um tanto mais raso que o aspirante a Mestre dos Oceanos. Os vilões são bem construídos, de forma que um se mostra como o responsável pela impossibilidade do herói recusar o chamado para sua jornada, enquanto o outro é estabelecido pelo o que pode ser considerado um erro da personagem antes de sua ascensão. O roteiro é tão bem fechado que mesmo isso se mostra relevante no final do filme, e serve como a coroação final de Arthur. Ainda, há de se dizer que a justificativa de Orm é tão válida quanto a de Killmonger em Pantera Negra, o que faz dele mais um outro lado da moeda do que propriamente o mal.

Willem Dafoe e Nicole Kidman mostram mais uma vez que nada tem a provar dentro de sua profissão. Amber Heard é agraciada com a melhor e mais relevante personagem feminina dentro dos filmes de super-heróis, com a exceção óbvia da Mulher-Maravilha dentro de seu próprio filme. Mera é a condutora da jornada de Arthur ao trono, e mesmo sendo seu par romântico, foge dos comuns clichês de donzela indefesa. Pelo contrário, é outra personagem que, mesmo sem sua própria jornada explorada, entra na lógica empregada pela DC Comics de “deuses entre nós”.

Com uma bela, mas não destacável (como costuma-se ser em filmes da DC), trilha sonora, se Aquaman perde algo ao mudar a cara do universo estendido da DC nos cinemas é a carregada carga simbólica que os longas anteriores traziam. Com isso, sua relevância dentro da arte crítica praticamente some, dando espaço para um propósito quase que único de entretenimento. Sem tantas referências artísticas e visuais religiosos ou políticos, o filme perde o caráter de levantar questões sobre as identidades de suas personagens, e adere aos quadrinhos da Era de Ouro mostrando a louvação do herói que, assim como o filme dentro de sua proposta, termina incontestável.

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