Muitos se lembram que no começo de 2018, houve enorme comoção pelo mundo com o lançamento nos cinemas do filme Pantera Negra, pertencente à Marvel Studios, que serviu como um capítulo da chamada Fase 3 da MCU (Universo Cinematográfico da Marvel).
O longa-metragem estrelado pelo falecido ator Chadwick Boseman (1976 – 2020), que virou um símbolo reconhecido mundialmente pelo papel do príncipe T’Challa, estreou nas grandes salas de cinema no dia 16 de fevereiro de 2018. Quase que de modo unânime, ovacionado e elevado a um nível transformador pelo aspecto social inserido de termos um super-herói negro como o protagonista (além da maior parte do elenco) em uma grande produção hollywoodiana.
Curiosidade: Exatamente um mês antes (16/01/2018), estreava no canal de televisão The CW, a série sobre o super-herói Raio Negro da editora DC Comics, também estrelando um ator afrodescendente, assim como o elenco da produção que possuía em sua maioria, atores negros.
Longe de criar qualquer disputa entre duas produções que buscam exaltar a diversidade em nossa sociedade que persiste (ou vira a cara) conservar certos ideais retrógrados, nos distanciando de uma nova perspectiva de progresso social; ou mesmo em alimentar a discussão pueril Marvel versus DC Comics, que é muito 2016 para quem teve a realidade transformada por uma pandemia que mudou drasticamente nossos panoramas rotineiros de forma abrupta.
Deve-se citar ambas produções para que se perceba que a indústria do audiovisual, que vai muito além do nicho cinematográfico, esteve e continua trabalhando por uma maior diversidade racial nas produções que chegam até nós.
Em resumo: o público permanece recebendo as oportunidades de se educar com histórias diversificadas que apresentam pontos de vista diferentes de nossos próprios, abrindo nossas mentes e emocional para empatizarmos com aquele que está do lado de lá.
Dito isso, adentremos o universo de Raio Negro, que após completar sua quarta e última temporada na rede de televisão The CW, chega à provedora de streaming Netflix para fechar o ciclo do super-herói com poderes elétricos que dirige a escola Garfield High School, na cidade de Freeland, estado da Geórgia.
No final da terceira temporada, testemunhamos Raio Negro (Cress Williams) derrotar os markovianos, dando fim ao conflito. Exatamente um ano depois, vemos que Jefferson Pierce, o homem por de trás do uniforme, permanece em luto pela perda de seu melhor amigo Bill Henderson (Damon Gupton). O sofrimento pela perda é tamanho que fez Pierce questionar se a faceta super-herói Raio Negro realmente conseguiu fazer a diferença pela cidade de Freeland. Para piorar, Tobias Whale (Marvin “Krondon” Jones III) está de volta mais forte e com novos planos para destruir a família Pierce e dominar a cidade.
Racismo na América
É muito prático dissertar sobre esta temporada final de Raio Negro, que já se encontra disponível no catálogo da Netflix, de maneira que é possível dividir a análise deste volume final em duas partes: O Livro da Reconstrução (quatro capítulos iniciais), e depois, todo o restante da trama até a resolução (nove episódios).
Isso porque, infelizmente, o aceno definitivo desta produção é daquelas temporadas que começam muito melhor do que terminam.
Sobre O Livro da Reconstrução percebe-se uma porção mais emocionalmente carregada, não apenas pelo luto inquebrável do nosso herói, mas pelas crises familiares que se instalaram dentro da residência Pierce, que incluem uma relação de pura desconfiança e desrespeito entre os ex-cônjuges, uma rebeldia cada vez maior por parte de Jennifer (China Anne McClain), além de um novo passatempo secreto adotado por Jefferson Pierce, que vai trazer lembranças aos órfãos de Clube da Luta (1999) de David Fincher.
Pelos quatros primeiros episódios desta temporada, será presente perceber o tema do racismo na América. Já no capítulo inicial batizado de ‘Dano Colateral’ notaremos a fúria de Raio Negro ao presenciar mais um caso de abuso de autoridade policial. Mais a frente, o super-herói que vem se recusando vestir o uniforme, se deixará abater pela situação nas ruas de Freeland que vê a contínua ascensão da Gangue Cem em pé de guerra com o Cartel Kobra, dizimando a população negra pela cidade.
Conteúdo desperdiçado
Uma pena, que a partir do quinto capítulo “O Livro da Ruína: Juntando as peças”, a série vai se esvaziando, e desperdiçando boas premissas.
Até quiseram prestar uma homenagem à jovem Breonna Taylor, uma mulher afro-americana de 26 anos, que foi fatalmente baleada dentro de seu apartamento em Louisville, Kentucky, em 13 de março de 2020, quando três policiais à paisana – Jonathan Mattingly, Brett Hankison e Myles Cosgrove – do Departamento de Polícia Metropolitana de Louisville (LMPD) forçaram entrada no apartamento como parte de uma investigação sobre operações de tráfico de drogas.
O assassinato de Taylor, também foi parte essencial das manifestações do movimento Black Lives Matter que tomou às ruas pelo mundo no ano de 2020, logo após o homicídio brutal de George Floyd à luz do dia.
Por mais que seja um ato de maior consideração, exibir uma nova versão deste caso real, onde Taylor sai ilesa, o que fica deste pedaço maior da série produzida pela Netflix é a redução emocional da temática mais complexa e forte de todo o enredo.
No lugar, tramas que na teoria não seriam superficiais, só que na prática pouco ou quase nada entregaram ao assinante da plataforma, como a busca por identidade de uma ‘nova’ Jennifer que surgiu, por exemplo.
Conclusão
No final, algumas coisas puderam ser salvas de uma temporada derradeira melancólica de Raio Negro:
Pontos positivos – ótimas cenas de luta coreografada, que incluem momentos de fotografia bem inspirados; performances carismáticas dos atores Marvin “Krondon” Jones III e Will Catlett, interpretando os malvadões da história.
Pontos negativos – narrativa muito repetitiva; clímax muito mal desenvolvido e executado, de uma forma que parece que o texto fica picotado, incompleto.
Para os fãs que veneram o super-herói da DC Comics, uma boa notícia. O fim do ciclo de Raio Negro, não significa que Freeland está livre de outros perigos, assim, serão necessários novos paladinos para preservar o legado de Jefferson Pierce e defender os cidadãos indefesos.