Bem-vindos de volta ao Olhar Geek, em uma semana mais que interessante para os fãs da DC Comics e seu universo cinematográfico. Nos quadrinhos, a editora passa por uma reformulação total (e a centésima morte do Superman) no arco Rebirth, que ainda estreará um novo logo da editora, reformulado para refletir que o universo da DC se expandiu para além das revistas.
E como se expandiu, aliás: os fãs da séries de TV da editora passam pelas semanas de conclusão de Legends of Tomorrow, The Flash e Arrow com o coração na mão, enquanto a notícia de uma futura temporada ainda mais bacana aporta no horizonte. Com a chegada de Supergirl a The CW, onde as outras séries da editora já estão renovadas, vem a promessa de um mega-crossover reunindo todos os personagens adaptados pelo braço televisivo da DC até o momento.
Criador de The Flash e autor de vários episódios de Arrow, o quadrinista Geoff Johns é um dos principais nomes responsáveis pela criação desse universo televisivo, junto com os produtores/roteiristas Greg Berlanti e Marc Guggenheim. Agora, Johns, que ainda escreve quadrinhos e trabalha no roteiro do próximo filme do Batman de Ben Affleck, vai ficar ainda mais ocupado ao assumir a co-presidência da DC Films.
O departamento, criado dentro da Warner Bros da mesma forma que a Marvel Studios responde hoje à Disney, concentra os esforços de criar o universo compartilhado cinematográfico da editora em uma única produtora, comandada por Johns e Jon Berg, antes vice-presidente da Warner. A junção de dois profissionais com esses perfis faz sentido – alguém que conhece os quadrinhos, como Johns, assistido por um produtor de faro hollywoodiano, como Berg.
Nós avisamos…
A gente aqui no Observatório do Cinema odeia mandar aquele famoso “a gente disse…”, mas, bom, a gente disse. Lá em 15 de abril, no artigo intitulado “O universo cinematográfico da DC está em apuros, e a solução ainda não chegou” (leia aqui), nosso principal ponto era que a DC ainda não tinha um cérebro, um centro criativo e um administrador forte e decisivo, para estruturar o seu universo. Faltava coordenação, e agora, ao que parece, não vai faltar mais.
A julgar pelo bom trabalho que Johns ajudou a fazer na TV, e por suas declarações recentes sobre trazer de volta ao universo DC um senso de “esperança e otimismo” nos próximos filmes, a editora e os seus novos comandantes começaram a ouvir seu público. Resta saber se a nova identidade vai desfazer o trabalho de construção de personagem que Snyder e companhia fizeram nos últimos dois filmes, ou pegar as dicas para criar um universo não tão sufocantemente sombrio, mas que traga gravidade, riscos e dramas para um mundo de heróis que ainda são o sonho de qualquer adolescente viciado em quadrinhos.
É preciso deixar claro que a ideia de fazer um Superman em conflito consigo mesmo e com aqueles ao seu redor, que só pretende salvar, é espetacular. Um Superman sombrio que é obrigado a matar não é algo proibitivo – momentos sombrios em um filme de super-herói adicionam profundidade e contestação a uma fórmula que começa a se mostrar cansada. Interessante, no entanto, seria combinar essa noção de profundidade e ambiguidade incutida por Snyder no universo com um modelo que permita os filmes da DC serem blockbusters incluídos em uma série, um universo, sem parecer concessões forçadas a um filme essencialmente pessoal.
Esse não pode ser o Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, porque precisa introduzir muita coisa que virá depois dele, e refletir muita coisa que veio antes. O que esses filmes ainda podem ser são obras que carreguem a marca visual e de storytelling de seus criadores sem comprometer a posição comercial (e narrativa) do universo cinematográfico como um todo.
A DC ainda não errou!
Este que vos escreve, particularmente, não acha que Batman vs Superman foi um erro. Pelo contrário, é um filme notável com uma coragem de contestar o mito do super-herói e um senso de seus personagens invejável. Ben Affleck é um Bruce Wayne espetacular e sim, o final é um pouco forçado com seus atalhos de trama (o infame “Martha”) e sua mudança total de tom e gênero, mas mesmo assim nos divertimos horrores com a absolutamente cinética batalha entre Batman, Superman, Mulher-Maravilha e Apocalypse.
Em muitos sentidos, a DC ainda não errou feio. A visão de Zack Snyder é única e não agrada a muita gente, mas é uma visão desafiadoramente particular de um universo que tem uma exposição muito pública. A ideia de que, para seguir a frente como um universo compartilhado, da forma como pretende, a DC precisava dessa mudança de comando (ou melhor, dessa instituição de um comando que não existia antes) é puramente logística, de certa forma. Uma gerência forte que não sufoque os impulsos artísticos dos diretores, roteiristas e atores envolvidos é a promessa da DC Films, e estamos animados com isso.
Isso tudo especialmente porque as decisões tomadas pela DC quanto aos futuros filmes da empresa parecem singularmente bem encaminhadas. Esquadrão Suicida parecia um pouco menos atraente a princípio, mas a forma como a personagem Harley Quinn está sendo tratada, em sua jornada para se distanciar do Coringa e superar o abuso perpetrado por ele contra ela, é animadora. A notícia de um filme focado em vilãs e heroínas da DC, naturalmente estrelado por Harley, também é bacana – especialmente com Margot Robbie no comando, produzindo um filme que faça jus a essas personagens e coloque uma representação interessante em tela das facetas femininas da DC.
O filme da Mulher-Maravilha ganhou uma diretora feminina, como deveria ser (e uma especialmente boa, como qualquer um que assistiu Monster – Desejo Assassino pode testemunhar). Um diretor interessante está no comando de Aquaman, que pode sair um filme de gênero diferente e peculiar que ainda se ingressa sem dificuldades no universo maior. Ben Affleck ganhou carta branca para fazer o que quiser com o seu filme solo do Batman, o que é, para qualquer um que viu os filmes do moço como diretor, uma ótima ideia. Nesse momento, o retorno de Snyder para os dois filmes da Liga da Justiça parece detalhe, e o faro visual do diretor não é algo que deve ser ignorado trabalhando a favor do filme.
Ter Snyder no comando com alguém diferente conduzindo a narrativa é uma ótima ideia – poucos diretores em Hollywood tem uma mente mais iconoclasta e interessante para o cinema de quadrinhos do que Snyder.
Enquanto isso, na Marvel…
O mais interessante de toda essa análise, como quase tudo na era de cinema de quadrinhos que vivemos atualmente, é que enquanto a DC está andando a passos largos em direção à diversidade e acertando nas escolhas com a ajuda da Warner e seu modelo “voltado para a visão dos diretores”, a Marvel caminha devagar na mesma direção, e em um momento em que agilidade é exigida de fãs que reagem imediatamente a notícias e anúncios de qualquer natureza.
Em termos de diversidade, a Marvel (ou talvez, mais importante, a imprensa) tem feito grandes anúncios de novidades que não deveriam indicar nada além do fato de que a editora está fazendo sua obrigação – por exemplo, um elenco 80/90% negro em Pantera Negra, ou o fato de que o estúdio quer filmar partes da trama na África. Quando não é isso que acontece, os diretores, roteiristas e produtores se mantem no campo das promessas.
A Marvel está “comprometida” com um filme da Viúva Negra (leia aqui), mas não o bastante para fazê-lo nos próximos 4 ou 5 anos. A Marvel acha “altamente provável” que um personagem LGBT seja adicionado a sua galeria, mas dá um largo prazo de uma década para isso, talvez, acontecer. A Marvel barra uma vilã feminina em Homem de Ferro 3 porque “não venderia brinquedos o bastante”. A Marvel marca filme da Capitã Marvel para 2019, mas nada de novidades ainda, embora tenham começado certo com a roteirista Meg LeFauve (Divertida Mente).
Falta ação afirmativa na Marvel, e isso a DC tem tido de sobra. O próximo passo da diversidade provavelmente é começar a contratar diretoras e roteiristas mulheres não só para filmes de heroínas, como também, por que não, para filmes de heróis. Incluir pelo menos um Lanterna Verde negro entre os protagonistas de Tropa dos Lanternas Verde, marcado para 2020, e mais representatividade entre os coadjuvantes do filme. Dá, até certo ponto, para confiar que isso vai acontecer – quanto a Marvel, talvez aconteça, mas são dois passos para frente, um para trás.
E é ainda mais interessante analisar que, sob o comando de Geoff Johns e Jon Berg, é provável que essa ação afirmativa seja ainda mais direcionada e inteligente. Se me é permitido uma incursão pessoal aqui, a ideia não é colocar para baixo o trabalho que a Marvel vem fazendo nos últimos anos (perdi as contas de quantas vezes o adjetivo “marvete” foi usado para me descrever), mas lançar um olhar claro para a forma como as duas editoras estão conduzindo seus universos. E não adianta dizer que não há ponto nenhum na comparação – há sim, e é importante que a façamos, para que saibamos exatamente o que cobrar de cada uma delas.
Dessa vez, no entanto, a DC saiu na frente se tocando de um problema e corrigindo-o com agilidade, enquanto a Marvel segue a deriva em um assunto importante, a diversidade. Ponto para a DC, se vocês estiverem contando – eu, definitivamente, quero que termine em empate.
A Olhar Geek volta na próxima quarta-feira (01/06).