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Crítica | Cloak & Dagger- 1ª Temporada

“Seremos melhores? Podemos crescer?”.
A frase de impacto acima é proferida pelo Padre Delgado (Jaime Zevallos) no penúltimo episódio da primeira temporada de Cloak & Dagger, em meio à uma explicação sobre o funcionamento da clássica “Jornada do Herói”. É uma explicação que se divide ao longo do episódio, e cimenta o foco que a temporada inteira demonstrou ter: Construir e estabelecer seus protagonistas.

O quê temos aqui é uma primeira temporada feita em cima de estruturas típicas. O primeiro episódio em si (com alguns minutos a mais de duração) funciona como uma história de origem, seguindo as viradas de roteiro comuns em produção de séries, principalmente da tv aberta americana. O apego a estrutura então, se estende para o resto da temporada, e expande a progressão destas origens heróicas.

Dentro deste foco, a série constantemente estabelece o contraste entre ambos os protagonistas. Não apenas na fotografia que acompanha cada núcleo narrativo (As manifestações dos poderes de Adaga/Tandy estão sempre rodeadas de luz e calma, enquanto Manto/Tyrone se vê o tempo todo na escuridão e na confusão), mas também nas diferentes circunstâncias em que eles se encontram. No primeiro episódio, Tyrone (Aubrey Joseph) é de origem humilde e se envolve com situações criminosas, enquanto Tandy (Olivia Holt) vem de família rica e estuda balé. Anos depois, marcados pelo trauma que compartilharam e seguindo trajetórias distintas, as circunstâncias se inverteram, e ambos estão lidando com suas realidades de maneira auto-destrutiva.

Há, também, um outro elemento típico das produções de tv aberta americana: O uso de música pop para ditar o tom de transições e montagens ao longo do episódio. É justo lembrar o apelo deste elemento para o público-alvo da série, em geral adolescentes e jovens adultos, mas também é difícil não perceber um certo estufamento de alguns episódios por conta destas sequências, muitas vezes redundantes. É um defeito comum, atribuído ao exagero do uso deste recurso que também é utilizado frequentemente, por exemplo, para encerrar blocos de episódios.

O desenvolvimento da trama segue um caminho lento, sempre girando em torno de seus dois núcleos principais, com a eventual entrada de um terceiro núcleo auxiliar composto por uma detetive policial (Emma Lahana) e sua investigação. Com exceção dos protagonistas, o resto dos personagens é, em geral, superficial, com poucos momentos de evolução ou personalidade substancial, além daquilo que é conveniente para a trama em si.

Boa parte da história de Cloak & Dagger se dedica a exibir a dualidade contrastante dos protagonistas. Com um orçamento moderado (de acordo com as produções do canal Freeform), a série preferiu focar nas habilidades psíquicas dos personagens, ao invés de ter Adaga jogando facas brilhantes por todos os lados(embora aqueles espectadores que forem pacientes terão seus momentos de ação e agrado visual, ocasionalmente). Tyrone consegue ver os medos daqueles que toca, enquanto Tandy é capaz de ver suas esperanças. Sem dúvida, são habilidades muito mais interessantes de se explorar em uma modesta série de dez episódios do quê qualquer sobrenaturalidade física.

E é nesta proposta de explorar as diferenças e semelhanças entre os protagonistas que a série realmente encontra seus melhores momentos. Um destaque deve ser dado para a sequência em que ambos acabam enxergando o interior um do outro durante o terceiro episódio, exibindo para nós, espectadores, uma intrigante representação de como estes personagens são, e se enxergam (Tandy criança entregando comprimidos na igreja é uma cena que complementa muito bem toda a construção da personagem até então).

É importante notar que, em momento algum, parece haver qualquer alusão à um romance florescendo entre os protagonistas. Apesar disso, ambos acabam se relacionando intimamente um com outro graças as suas habilidades, encarando suas falhas, semelhanças e complementando-se. A relação de Manto e Adaga nunca parece “forçada” ou convencional, e facilita a empatia do espectador com os personagens.

O crescimento destes protagonistas acaba se tornando o grande fator instigante da temporada, uma vez que a trama em si traz diversos elementos já batidos em meio à tantas adaptações e histórias de vigilantes peculiares. Em meio às típicas conspirações e explicações científicas pouco explicadas, ver Tyrone e Tandy ensinando um ao outro como lidar com suas diferentes circunstâncias e comparando suas visões é muito mais interessante.

A mesma superficialidade dos coadjuvantes em geral também pode ser observada com efeitos mais prejudiciais nos antagonistas. Esta é uma daquelas histórias em que a situação proporciona muito mais obstáculo para herói do que um outro personagem em si, mas para super-heróis, também costuma ser uma abordagem difícil de funcionar sem muitos percalços, principalmente no que diz respeito ao ritmo da obra. O resultado então, é que para todos os efeitos, os arcos narrativos praticamente se encerram no penúltimo episódio, com o último episódio reservado para sequências de ação e a iminente derrota destes fracos antagonistas.

Cloak & Dagger se beneficia muito do uso de Nova Orleans como cenário principal para a história. DIferente da Nova York que vemos em outras séries da Marvel, Nova Orleans é famosa por seus aspectos culturais, que são incrementados não só ocasionalmente no visual da série, mas também em sua mitologia, distinguindo-a de suas comparações mais diretas na televisão

O tom da série acaba sendo equilibrado com eficiência, em sua maior parte. Uma ou outra piada sutil aparece de vez em quando para quebrar o clima, mas, em geral, o clima se mantém sério para enfatizar o peso de cada decisão dos protagonistas. Esta abordagem também se aplica ao realismo que a série procura manter em sua história. Em alguns momentos, pode ser bem vinda (a maneira como a história vai justificando a razão pelo qual o Manto usa, afinal, um manto), e em outros, pouco inspirada (câmeras chacoalhando em cenas de ação podem se tornar irritantes rapidamente sem o planejamento e a técnica ideal).

Cloak & Dagger termina sua primeira temporada cumprindo bem o que propõe: contar uma história de origem, com evoluções e transformações claras para seus heróis. Coloca atenção em seus protagonistas e prefere gastar tempo refletindo sobre seus temas principais do que com truques e apelações à um público específico. O futuro da série pode ser promissor, caso o canal escolha investir um pouco mais na produção. O mesmo entusiasmo se aplica aos personagens principais em si, que revelam um grande potencial para ser explorado neste crescente universo de super-heróis.

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