Produzido pela Discovery Channel e recém-chegado à Netflix nessa quinta-feira (14), a produção Manhunt: Unabomber segue a pauta de séries de investigações criminais baseadas em fatos que aconteceram. Seguindo o sucesso de outra série, Mindhunter, essa, original do canal de streaming, há um notório fascínio nos estudos sobre as personalidades investigadas. Não somente como indivíduos que estão suscetíveis a práticas questionáveis no âmbito da moralidade. É sobre como sua visão sobre a evolução do mundo e dos inevitáveis e subsequentes avanços tecnológicos em meio a sociedade insere – ou não – conscientizações sobre a dependência que a vida adquiriu dessas invenções.
Criada por Andrew Sodroski, a série acompanha a história de uma investigação chefiada pelo FBI que envolve uma série de atentados à bomba realizados durante os anos 80 pelo dito terrorista Unabomber/Ted Kaczynski, interpretado por Paul Bettany, que faz o papel do herói Visão no universo cinematográfico da Marvel. Por conta de seus crimes não deixarem traços ou pistas, é convocado uma força-tarefa incluindo novos profissionais para começar a investigar outros detalhes que ainda não foram percebidos anteriormente. Um desses profissionais da organização é Jim Fitzgerald, vivido pelo ator Sam Worthington, que fez papeis no cinema Avatar e Fúria de Titãs. Jim é quem dá novos detalhes a partir da linguística e dos ideais de Ted, que busca mostrar como a tecnologia e seu avanço ininterrupto dominou toda a vida humana representada no período final dos anos 90, onde a internet estava em plena ascensão.
Dividida em oito episódios, Manhunt tenta aproximar Jim e Ted, a ponto de ambos conseguirem entender as conexões que são estabelecidas ao longo da série, principalmente evocadas a partir da imersão de Fitzgerald nas concepções filosóficas e quânticas de Kaczynski sobre uma sociedade cada vez mais dominada e industrial, repelida de suas próprias vontades e apenas atendendo primários objetivos inertes ao uso da tecnologia.
A liberdade foi sendo tomada seguindo Unabomber, dando lugar a uma comum representação de si mesma. No começo da produção, ainda sob diversas incertezas, o perfil traçado pela equipe do FBI mostrava um simples homem que entendia de mecânicas e engenharia aérea. No entanto, aos poucos é identificado que o algoz sempre foi extremamente inteligente e que já possuía desde a época da faculdade, uma concepção do que ela se tornaria futuramente. Desacreditado pelo ceticismo, tanto Ted quanto Jim, em meio aos seus processos de análise sobre o mesmo tópico, emulam situações de emergência.
O roteiro consiste em algumas linhas temporais, mostrando primeiramente as épocas que a investigação ainda estava ocorrendo, sendo iniciada a nova força-tarefa em 1995, a prisão e tentativa de confissão de Ted dois anos seguintes e um dos cenários mais relevantes para a construção do personagem de Bettany, os anos 30-60, que mostram a passagem de Ted por sua infância, adolescência e início da faculdade. No entanto, esse contrassenso político tentado pela produção apresentou falhas em seu próprio roteiro. Não que a ideia e os debates perdessem o cativo e a relevância. Elas na verdade acabaram sendo motivadores exagerados dentro da narrativa dos personagens principais.
A alusão de que são autossuficientes o colocaram sob um cerne de empáfia. Bettany, por mais que seja um interessante ator e que tenha conseguido expressar toda o distanciamento que se acometeu, teve seu personagem mal aproveitado. Seus reais ideais que o levaram a elaborar todo esse ideal político e social não tiveram um senso de origem bem escritos e argumentados. A sensação que ficou foi a de que ele se perdeu em um espiral de loucura. A classificação imposta a seu método como se fosse um gênio foi construída dentro de uma metáfora caricata. A importância de seus pensamentos é válida, mas perdida e confusa ao longo do andamento da produção.
Sam Worthington se confirma como um dos péssimos atores da recente safra. Genérico e canastro, seu investigador forense/linguístico entrou na mesma fórmula de se tornar uma caricatura, uma obsessão infundada por um motivo que não foi detalhado pelo roteiro, principalmente a partir do quinto episódio, quando a história se encaminhava para o desfecho tomando como base um dispositivo narrativo. A adesão da personagem que “descobre” a ligação entre o manifesto com o personagem de Ted e, por consequência, sua família, são meros ensaios de um estudo sobre sua vida passada e o que levou a se tornar recluso, nocivo, levando aos flashbacks de seu passado exclusivamente para mostrar que o tratamento recebido como louco o instigou a se provar.
Grande parte dos estudos sobre psicopatas, sociopatas, assassinos em série e piromaníacos, enfim, toda situação de risco envolvendo criminosos com aparentes distúrbios e traumas psicológicos exprimem suas cobaias a um perfil de gênio incompreendido. É uma resposta padronizada não somente em vida real como também nas obras audiovisuais que exploram esses cenários. Porém, o sucesso dessa representação/simulação se encaixa na exploração de como a sociedade e o indivíduo se correlacionaram ao longo da vida, não em um mero resultado maniqueísta com o intuito de apenas identificar que o mundo não estava pronto para aquela mente tão avançada. Novamente, é o estereótipo do gênio inconformado, taxado de louco, que se recluí e decide que a punição àqueles é inevitável. E para isso, os lembram constantemente.
O tema da tecnologia como aparato social não é também uma novidade nas produções televisivas e cinematográficas. Cinema, a arte audiovisual serve como um reflexo das principais reflexões daquela sociedade trabalhada em questão, seja atual ou não. Manhunt: Unabomber tem certos caprichos documentaristas e técnicos demais – talvez pelo desenvolvimento da Discovery – que acabam em certos momentos elevando e diminuindo o peso narrativo da série.
Fotografia, direção outros quesitos da produção não são tão dignos de notas destacadas pois essa sobriedade desses pontos serviria bem para o roteiro se manifestar como o cerne narrativo. Na verdade, o roteiro sempre é o que dá direção para a qualidade de uma obra audiovisual. No caso de Manhunt: Unabomber, houve uma tentativa interessante de narrar a história de dois personagens que aparentam ser semelhantes mais do que conseguem distinguir. No entanto, essas próprias semelhanças e usos inadequados o transformaram em personas caricatas e frias. Frias no sentido de serem distantes de uma naturalidade individual e plural enquanto indivíduos.