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Marvel - Fugitivos | Crítica - 1ª Temporada

Marvel – Fugitivos, a série original da Hulu, chega agora também na Netflix. E, pode-se afirmar que esta adaptação de quadrinhos sobre seis jovens dotados de super-habilidades chega em boa hora.

Muito é dito sobre o atual momento no mundo, ou pelo menos parte dele, este cada dia mais polarizado, em consequência, mais dificultoso de estabelecer um balanço, principalmente através do diálogo. A resposta mais comum quando exaltados tais problemas da sociedade, é a de que existe uma luta entre classes sociais. Verdade inquestionável, ao mesmo tempo que lamentável para todos. Mas, há ainda um outro fator tão central neste mundo dividido, que é a questão geracional. Devido a criações diferentes, em tempos distintos, aparentemente em boa parte, criou-se uma lacuna entre, por exemplo, pais e filhos. Um distanciamento que só é prejudicial, tanto no campo subjetivo, como no geral. E, é o que esta série da Marvel propõe: analisar em uma história de mistério, que mira o público adolescente, as falhas e desencontros nesta comunicação entre jovens e adultos.

A história de seis adolescentes, diferentes uns dos outros, que se unem para descobrir qual é a real vida de seus pais, que coletivamente são parte de um grupo conhecido como Orgulho é o mote misterioso em Marvel – Fugitivos. No bando de jovens, temos os típicos estereótipos encontrados nas escolas: Alex Wilder, o líder nerd super-inteligente; Nico Minoru, a gótica praticante da Wicca capaz de usar um cetro poderoso; Karolina Dean, a garota religiosa do culto que pode voar, brilhar com as cores do arco-íris, além de atirar raios da luz pelas mãos; Gert Yorkes, uma punk feminista e ativista social que possui uma conexão telepática com Old Lace, um dinossauro; Chase Stein, o atleta de lacrosse que é um brilhante engenheiro capaz de construir todo tipo de aparelho tecnológico, como a manopla Fistigons; e por último, Molly Hernandez, a caçula do bando, positivista, aspirante a líder de torcida que possui força descomunal.

Assim como o filme Clube dos Cinco de John Hughes, o ideal aqui é fazer com que componentes heterogêneos consigam atuar juntos em prol de um objetivo. Um dos méritos nesta série da Netflix está no roteiro, seja pela evolução da trama, ou no quesito de tratamento das personagens, especialmente em algumas destas relações. A parte alguns poucos diálogos ruins, a escrita oferece bastante fluência, ainda mais a partir do quinto episódio. Mas a dinâmica funciona desde o primeiro episódio, este pela perspectiva dos adolescentes, enquanto o episódio seguinte, acompanha a visão de seus pais. Certamente, um elemento que teria auxiliado ainda mais para a elevação desse clima de mistério no enredo, seria um uso mais moderado de flashbacks, presentes em praticamente todos os episódios. Não que isso prejudique a atração existente entre história e público, mas esta fórmula é uma saída mais fácil, considerando textos, dando certa previsibilidade à estrutura.

Das relações de tratamento mais instigantes na série, duas se destacam: Nico e sua mãe Tina; e Chase com seu pai bipolar Victor Stein, um engenheiro brilhante. O intrigante da personagem Tina, interpretada por Brittany Ishibashi, é a dualidade de sua personalidade. Quase como a carta coringa, atuando para os dois lados, sendo uma mãe rígida para Nico, ao mesmo que sofre pela morte suspeita de Amy, sua outra filha; ou exercendo suas funções para o Orgulho, enquanto ensina para Nico sobre os poderes do cetro. De muita maturidade também, o retrato de seu casamento com Robert, interpretado por James Yaegashi, observado no clímax do oitavo episódio. Já Victor Stein, interpretado com grande competência por James Marsters, o eterno Spike de Buffy – A Caça-Vampiros que eleva a questão de quem é seu verdadeiro eu: o marido e pai afetuoso, ou o abusador violento.

Da parcela jovem do elenco, alguns se destacam mais do que outros. Positivamente, quem mais contribui, seja na performance, ou na atração empática pelas personalidades das personagens são Ariela Barer, Gregg Sulkin e Allegra Acosta, respectivamente nos papéis de Gert, Chase e Molly. A punk feminista de Barer é o único escape cômico que realmente funciona em Marvel – Fugitivos, já Sulkin e Acosta apresentam muita naturalidade em variadas circunstâncias do enredo. Porém, quem efetivamente se sobressai na série disponibilizada pela Netflix é a atriz de ascendência japonesa Lyrica Okano, que interpreta Nico com muito vigor nas partes dramáticas. Agora, negativamente, destacam-se os atores Rhenzy Feliz e Virginia Gardner em atuações mornas.

Entre os adultos, infelizmente, o cenário é mais desolador. A parte, Ishibashi, Marsters, e também Annie Wersching, com boas cenas dramáticas, o restante do elenco pouco consegue entreter ou estimular curiosidade, sendo os destaques negativos: os insossos Ryan Sands e Ever Carradine, além do casal de bioengenheiros Stacey e Dale Yorkes, interpretados por Brigid Brannagh e Kevin Weisman, respectivamente. Intencionados para serem, assim como Gert, um contraponto de humor na história, falham, seja pelas falas pouco inspiradas para as personagens, ou pela falta de prática no timing humorístico.

Com um elenco tão vasto, e abordando sem muita profundidade, temas como bullying, violência doméstica, relacionamentos, descobertas sexuais, além da transição da adolescência para a vida adulta, Marvel – Fugitivos dos criadores Josh Schwartz e Stephanie Savage ainda tem como maior foco a relação entre pais e filhos. Bom, que a série serve como um belo puxão de orelha, não para os jovens, mas para os adultos. Não tiveram vergonha de apontar o dedo para as falhas cometidas na criação dos filhos, principalmente mostrando o que se gera quando escondemos ou omitimos destes.

O tema, exemplificado na parte final do nono episódio, traduz essa relação conflituosa. Pais de um lado, unidos e filhos do outro, também juntos. Enquanto os pais vêm com o velho discurso de família e que tudo o que fazem é para proteger os filhos, os mesmos se sentem traídos pois as inverdades e omissões só afastam estes de conhecer quem são seus progenitores, e até a si mesmos. Pensa-se que restringir ou impedir que os filhos sofram é uma atitude de compaixão ou cuidado, o que não deixa de ser uma verdade, mas ao mesmo tempo isso também figura como uma forma de impedimento à maturidade, consequentemente, a evolução do ser humano. Como nos filmes do cineasta Steven Spielberg, as vezes é necessário fugirmos para descobrir quem somos, e até podermos voltar para casa.

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