O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de novelas do mundo – seguido de perto pelo México, outro produtor de peso. Ainda que sejamos muito bons no que fazemos (Império, de 2015, e Verdades Secretas, de 2016, ambas da Globo, faturaram o Emmy internacional de melhor telenovela) algo muito atípico ocorreu entre o final do ano passado e o começo de 2017: Record e Globo lançaram suas primeiras séries de suspense, em estilo americano. E ambas fracassaram.
Supermax, da Globo, contou a história de um reality show ambientado em um presídio de segurança máxima no meio da floresta amazônica. Os participantes acabam descobrindo que fenômenos sobrenaturais ocorrem no presídio, onde a saída pode custar a própria vida.
Supermax | Crítica – 1ª temporada
Já Sem Volta, da Record, estreou no último dia 4 e conta a história de um grupo de alpinistas que sofre um acidente durante uma escalada no pico Agulha do Diabo, no Rio de Janeiro, e acaba preso na Serra dos Órgãos. A série segue contando os desafios da sobrevivência do grupo, mesclando com flashbacks de cada personagens.
Ainda assim, Supermax foi um fracasso de audiência e Sem Volta, que atingiu míseros 6.5 pontos na estreia, está seguindo o mesmo caminho. Onde, então, estaria o erro? O que está sendo feito errado para que as duas maiores exportadoras de novelas do país falhassem tão categoricamente?
Da cultura se faz o costume
O brasileiro sempre foi um povo receptivo, alegre, acolhedor e aberto. Demonstramos nosso afeto em público sem maiores problemas; paramos pra bater um papo quando encontramos um conhecido de longa data no meio da rua, enquanto nossos companheiros nortenhos se contentam com pequenos acenos. E é em cima desses pequenos detalhes da nossa cultura, do nosso jeito de ser, que a indústria cultural brasileira trabalha.
Independente da emissora, a telenovela brasileira sempre seguiu a linha do drama, do romance e da (leve) violência. Basta um romance ameaçado por uma doença terminal e já caímos no choro: e aí nasce Laços de Família. É seguindo o mesmo raciocínio que Pantanal, O Clone, Os Dez Mandamentos, Duas Caras, Senhora do Destino, Avenida Brasil, Cheias de Charme e tantas outras se tornaram sucessos absolutos. Todas as produções que passarem por nossas cabeças terão mais ou menos o mesmo roteiro: o amor proibido, o moralmente correto contra o imoral, os dramas familiares – tudo aquilo que permeia o nosso dia a dia e toca o coração da dona de casa.
Globo e Record nunca se preocuparam com zumbis – ou com fenômenos sobrenaturais e afins. Isso nunca foi rentável, uma vez que se tinha o amor proibido como plano de fundo. Acontece que há certo tempo, uma nova geração vem percebendo que há vida além do “dramalhão”, e cada vez mais se entrega às séries estrangeiras – em sua maioria, americanas e inglesas. A procura por plataformas de streaming, vide Netflix, que oferecem essas séries cresce anualmente, e ameaça cada dia mais a antes tão segura novela.
Pressentindo tal ameaça, Globo e Record mexeram os pauzinhos e resolveram apostar no formato do suspense norte americano. E o desespero das duas emissoras não foi sequer disfarçado: Supermax era levemente inspirada em séries de sucesso como American Horror Story, Supernatural e The Walking Dead. Já Sem Volta é assumidamente baseada em Lost, ganhando o apelido de “Lost brasileira”.
O que os donos das grandes emissoras não perceberam é que o público brasileiro ainda não comprou o formato que, fora, já faz muito sucesso. O carro chefe da produção cultural em massa no Brasil são as novelas – nos EUA, são as séries. Ninguém fará novelas como o Brasil, ao passo que ninguém ainda chegou aos pés do eixo Estados Unidos-Inglaterra quando o assunto é série. É simples assim.
The Walking Dead, Lost, Dexter, How to Get Away With Murder, Sherlock e tantas outras séries só foram possíveis porque a cultura americana e inglesa, mais fria por natureza, não impõe o romance e o drama familiar como plano de fundo de todas as suas tramas.
O brasileiro se apaixonou pelos enredos estrangeiros que vão além do que já nos é trivial e agora as emissoras pagam o preço pelo atraso: Supermax e Sem Volta soam como cópias mal feitas, uma caricatura. A dona de casa não está acostumada a assistir demônios invadindo presídios ou a um alpinista que teve a perna amputada a sangue frio depois de um acidente. Cadê o casal romântico? Onde estão aquelas situações que lembram tanto as das famílias que assistem?
O que a Globo, a Record e qualquer outra emissora que queira adentrar esse novo território deve fazer é dar tempo ao tempo. Vai demorar até que o público compre o formato – mas nada que paciência e boas produções no timming certo não resolvam.
Tapando buracos
Para o público não habituado com séries de suspense em formato americano, o estranhamento inicial é justamente o tema. Quem já está acostumado, acaba se afastando por outros fatores, entre eles, o visual. É notável a falta de esmero e capricho nos recursos de computação gráfica. Em Sem Volta, a cena de uma personagem caindo da Agulha do Diabo chega a beirar o cômico.
Não digo aqui que o Brasil não sabe fazer séries. Temos, por exemplo, Justiça, da Rede Globo. Com uma belíssima fotografia, a série alcançou picos de quase 30 pontos de audiência, levando o Prêmio Extra de Televisão e o Troféu APCA de melhor série do ano.
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Mas Justiça era, novamente, um drama. Ao adentrarmos o território do suspense – ou no suspense sobrenatural, no caso de Supermax – é preciso tomar cuidado e investir massivamente em recursos de computação gráfica de qualidade. E isso não é nada além do que o suspense exige por natureza, aliado a uma boa ambientação e maquiagem.
Parece que as próprias emissoras percebem o próprio desleixo: Sem Volta compensa sua computação gráfica insignificante com grandes tomadas em externas, que resultam, sim, em um visual deslumbrante em algumas cenas. Já Supermax tentou nos fazer esquecer os pequenos demônios em CG nos bombardeando com dramas psicológicos fracos.
Tais tentativas de tapar esses buracos, entretanto, não vão funcionar para sempre. Enquanto isso, é bom lembrar sempre que as concorrentes diretas de Supermax e Sem Volta são nada menos do que Supernatural e Lost, criadas no país berço dos seriados. Se não for pra apostar realmente alto, é melhor que fiquemos apenas nas novelas.