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Os Inocentes | Crítica - 1ª Temporada

Usuários da Netflix que forem fãs de Sense8 e The OA irão, com certeza, perceber Os Inocentes em sua lista de recomendações na plataforma. Da primeira comparação, a série traz uma abordagem semelhante, colocando seus elementos sobrenaturais em segundo plano perante as relações de seus personagens. O casal de jovens que foge de casa para viver a vida juntos nunca perde suas determinações, e acaba evoluindo sua relação convincentemente ao longo da jornada.

É importante ressaltar que Os Inocentes é uma série evidentemente produzida com um público-alvo bem específico em mente. Há diversos elementos que apelam para um público adolescente e jovem adulto, tanto nos personagens em si, quanto nas situações em que ele se envolvem. O romance entre June(Sorcha Groundsell) e Harry(Percelle Ascott) é colocado como carro-chefe da trama, e é construído de tal maneira que o público possa torcer pelos personagens e manter o engajamento vivo através do arco dramático, ao invés dos aspectos sobrenaturais. Para aqueles que não se sentirem envolvidos o suficiente pela relação entre os protagonistas, a série provavelmente irá soar arrastada ou monótona (pode se passar um bom tempo sem que qualquer traço dos poderes de June venha à tona).

Mas dentro do que se propõe, Os Inocentes consegue manter a narrativa fluindo com eficiência, e costuma trabalhar sua exposição de maneira bem distribuída e sem muita redundância. Feita como um grande filme de quase oito horas, a série mantém um ritmo bem equilibrado, com os personagens tomando decisões relevantes e com consequências interessantes o suficiente para que os acompanhemos sem muito esforço. Tal observação não se estende ao núcleo paralelo de personagens no “Sanctum”, que está ali para cadenciar a estrutura da série, nos dando respiros em meio à história dos protagonistas, e para preparar os terrenos necessários para o grande clímax. Vale ressaltar, também, que os flashbacks da série (um elemento que muitas vezes é criticado por acabar arrastando o ritmo da história) são bem posicionados para avançar a trama, e acabam revelando grandes viradas em momentos oportunos.

Conforme os episódios vão passando, esta “narrativa-contínua” vai sendo compensada para o espectador. Tal qual as comparações que fiz no começo do texto, a série está disposta a construir alguns de seus melhores momentos aprofundando o psicológico de seus personagens perante os aspectos sobrenaturais. June não só pode assumir a forma de outras pessoas, como também entender seus pensamentos e vivenciar suas memórias. Embora exista muitos caminhos além do que os que a série resolve traçar, o desenvolvimento destas reflexões é engajante o suficiente para que este seu lado “ficção científica” não se torne esquecível. Em alguns momentos, temos metáforas interessantes sobre a diferença entre perspectivas e a sensação de querer fugir seu próprio corpo. É um mérito do texto, que usa muito bem os poderes de June para construir situações dramáticas intrigantes. Afinal, a personagem acaba utilizando seus poderes sempre que está com medo, com raiva, com dor… essencialmente, quando não quer estar ali, quando não quer ser quem é. É um instinto defensivo de fuga.

O que temos é um sobrenatural sutil, com explicações científicas relativamente bem contidas, e um certo cuidado com a exposição de suas regras. As adições proporcionadas pela personagem Kam(Abigail Hardingham) (que vem estudando sinais de pessoas como ela e June pela história da humanidade) são o suficiente para deixar a mitologia da série florescer naturalmente, e abrir algumas especulações produtivas. Quando a personagem entra na história, inclusive, suas experiências acabam resultando em algumas compensações para todos os espectadores que estiverem esperando para adentrar um pouco mais esta mitologia.

Em aspectos técnicos, a série também não deixa a desejar. Sua fotografia aproveita muito bem as belíssimas locações, construindo alguns quadros vibrantes e com luzes ofuscantes que revigoram o clima majoritariamente frio da série. Séries européias costumam trazer uma estética mais cinematográfica, principalmente em suas produções com apelo internacional. Os enquadramentos são mais abertos e a montagem segue um ritmo menos frenético do que os diálogos televisivos costumam apresentar nas séries americanas. A trilha sonora, também, faz um bom trabalho de equilíbrio entre composições orquestrais dramáticas e a típica música pop eletrônica direcionada ao público alvo, resultando em complementos eficientes para as cenas em questão, sem muita dissonância.

Existe, no entanto, algumas conveniências incômodas ao longo dos episódios, que impedem a série de tornar-se memorável como um todo. A começar pelo fato da mãe de June ter sido a responsável pelo estado do pai de Harry, um desenvolvimento que é colocado no roteiro de maneira pouco inventiva, e adiciona intriga à trama de maneira preguiçosa. O grande climax da série também acaba sofrendo desta falta de inspiração ocasional dos roteiristas, proporcionando o grande acerto de contas entre os personagens de maneira previsível e, consequentemente, banal. Não são conclusões insatisfatórias, mas nem longe trazem a mesma empolgação que diversas viradas do roteiro trouxeram em outros episódios.

Um ou outro diálogo, também, pode acabar soando melodramático, perdendo um pouco da organicidade. São alguns excessos que costumam ser comuns ao gênero de ficção para jovens adultos, tanto no cinema quanto na televisão. Há uma intenção de capitalizar em cima de momentos dramáticos sem muita sutileza, com resultados mistos. Não há como negar que Os Inocentes realmente é muito mais recompensadora quando está preocupada em expor as dificuldades sentimentais de seus dois protagonistas, onde ambos os atores principais não deixam a desejar. Podem nunca chegar ao patamar almejado (como um grande casal trágico de amantes proibidos), mas entregam cenas cativantes o suficiente para acreditarmos em seus sentimentos e nos importarmos com o seu destino.

Eis que a série resolve então, encerrar todos os seus arcos principais de maneira satisfatória e conclusiva o suficiente para que pudéssemos deixar a história por aqui, mas os momentos finais do último episódio deixam um enorme gancho para uma temporada futura explorar, apostando (é claro) que o romance dos protagonistas tenha capturado a empatia do espectador. Há muito o que se aproveitar por aqui, e existe um potencial explorável para que a série possa até expandir sua mitologia e alcançar patamares mais mirabolantes, do jeito que o público costuma preferir as séries de ficção científica. Mas torço para que, mesmo com tal evolução, a série não perca seu foco nas dificuldades das relações humanas, por mais inocentes que sejam.

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