Mulheres

Crítica – A Filha Perdida

Drama psicológico da estreante Maggie Gyllenhaal para a Netflix destaca a complexidade do feminino através de uma exuberante Olivia Colman

Por volta do décimo minuto de A Filha Perdida observamos nossa protagonista que acabou de sair do banho, perambulando pela sua casa de veraneio quando nota uma travessa de frutas, ergue algumas e percebe que na parte inferior estavam mofadas, podres.

A estreante na direção Maggie Gyllenhaal, mais conhecida por suas performances em filmes, como Secretária (2002), Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Coração Louco (2009), já indicou de cara que assim como as frutas encontradas, existia algo decomposto por debaixo da estrela principal deste drama psicológico da Netflix.

Onde veremos Olivia Colman brilhar mais uma vez, particularmente em uma história que não se preocupa em oferecer respostas, ou mesmo levantar questões, mas apresentar toda a complexidade que habita no feminino: volátil, entre a ternura e o aterrador, às vezes, tudo ao mesmo tempo.

Em A Filha Perdida, observamos Leda (Olivia Colman) que está sozinha em férias à beira-mar, ficar obcecada por uma jovem mãe (Dakota Johnson) e sua pequena filha enquanto as observa na praia. Incomodada por esta relação de atração (e sua família alargada, estridente e ameaçadora), Leda se vê oprimida por suas próprias memórias de terror, confusão e intensidade pelos primeiros anos da maternidade. Um ato impulsivo choca Leda para o mundo estranho e ameaçador de sua própria mente, onde ela é forçada a enfrentar as escolhas não convencionais que fez quando era uma jovem mãe e suas consequências.

Colman & Buckley

Existem alguns tantos predicados a serem destacados nesta surpreendente adaptação cinematográfica do livro homônimo escrito por Elena Ferrante. Pela cabeça e mãos de Maggie Gyllenhaal, roteirista e diretora de primeira viagem, recebemos uma obra que parcimoniosamente vai exibindo flashes estilhaçados de um passado que indica algumas das emoções vistas e sentidas no presente.

Neste drama da Netflix temos duas atrizes de calibre interpretando a mesma personagem: Olivia Colman e Jessie Buckley, que faz a versão mais nova de Leda.

Talvez, o maior elogio que podemos fazer para a debutante Gyllenhaal em A Filha Perdida, seja em apresentar duas performances diferentes que habilmente formam um composto atraente e perigoso, mas acima de tudo, visceralmente relacionável. Com Leda temos uma personagem que continuamente cruza algumas linhas, que impedem que possamos defini-la com facilidade.

Pelo roteiro e direção, testemunhamos algo tão inconstante que só podemos concluir que sempre foi esta a intenção de Maggie Gyllenhaal desde o começo, no caso, apresentar alguém conflitante e desajeitada em seus movimentos, enquanto formam uma mulher cheia de vida, mas constrita pela maternidade (passado) e culpa (presente).

É ainda mais impressionante analisar que tudo o que vemos na Leda do presente, também existe na versão passada, e vice-versa. Tanto Olivia Colman quanto Jessie Buckley revelam performances orgânicas que permitem aceitarmos todo tipo de comportamento vindo delas, mesmo aqueles considerados mais estranhos, que representaram os momentos de maior destaque da atriz inglesa ganhadora do Oscar por A Favorita.

Além da maternidade

Dentre algumas das coisas encontradas na narrativa de A Filha Perdida, pudemos notar uma atmosfera de perigo que não apenas ronda a protagonista como também habita dentro dela.

Será completamente natural constatar certos assinantes reduzirem à personagem principal desta produção original da Netflix, como simplesmente uma mãe ruim. Indo contra tudo o que foi proposto por Maggie Gyllenhaal.

Muito mais do que abordar os desafios e dificuldades na maternidade, testemunharemos a nova cineasta mergulhar fundo no íntimo feminino e todos os seus movimentos, que fogem à ordem natural em algumas situações.

Maggie Gyllenhaal moldou uma narrativa que expôs o universo que existe por debaixo da pele das mulheres, em todas suas nuances e contradições. Ela explorou pelo interior feminino como um artista de obras de ficção cientifica cruzando pelo espaço sideral, lugar infinito que dispõe de uma beleza inigualável, assim como uma imensidão assustadora, onde nem tudo sempre se mostra claro.

Esse terreno das incertezas eleva o material de A Filha Perdida, que termina em uma nota (um pouco) mais solar. Ainda assim, o que fica com o assinante da plataforma é a sensação de assombro diante de algo que não tem nome ou definição, mas que se encontra vívido e mutável como parte da mulher.

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