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Criminal: Alemanha | Crítica - 1ª Temporada

As reviravoltas são o maior apreço da execução de Criminal: Alemanha, que consegue abordar a proposta original com certa distinção, e entrega um resultado digno de nota, capaz de comprovar a versatilidade deste peculiar formato procedural. 

Criminal: Alemanha é, na verdade, uma das quatro séries que compõem a coleção Criminal. A proposta deste conjunto de produções é acompanhar, exclusivamente, a fase do interrogatório de uma investigação, com um suspeito para cada episódio, e com cada série se passando em um país diferente. Esta é a última das quatro críticas feitas para analisar a coleção completa. Você pode conferir as anteriores abaixo:

Criminal: Reino Unido

Criminal: Espanha

Criminal: França

O formato de todas as séries desta coleção lida com os obstáculos de se construir tramas empolgantes, intercaladas com dramas paralelos, em um curto espaço de tempo, tanto para os episódios isolados, quanto para as temporadas de cada país. A solução, na maioria dos casos apresentados, foi tratar cada episódio como a reta final de uma história, onde os roteiristas precisam integrar peças fundamentais para a construção destas tramas, em meio à breves diálogos ou meras reações. Criminal: Alemanha consegue, talvez, trazer o melhor exemplo desta abordagem, compondo um contexto interessante para seus personagens, sem precisar expor estas informações didaticamente. 

A versão alemã também acabou trazendo aquele que considero ser o meu grupo favorito de detetives, entre todos os da coleção. A equipe pode não ser tão bem equilibrada quanto os integrantes da versão britânica, mas trazem dinâmicas produtivas que apresentam pleno potencial para carregar bem mais tramas do que apenas estas três principais. Começando pelo líder da equipe, Schulz (Sylvester Groth), que tal qual a líder espanhola, também possui uma imoralidade que permeia muito de seu trabalho investigativo. 

No entanto, seu protagonismo é dividido com a avaliadora que o confronta a todo momento, gerando conflitos interessantes para cada abordagem empregada nos interrogatórios, uma vez que a personagem não responde ao líder, mas também não está necessariamente acima dele na hierarquia. Percebe-se a atenção a pequenos detalhes na direção de cena que enriquecerem estas dinâmicas entre os personagens, como os jeitos que estes se comportam quando estão sentados lado a lado, interrogando o primeiro suspeito da temporada. 

A estrutura narrativa de Criminal: Alemanha é nitidamente pensada para gerar os choques e surpresas que mantém o espectador engajado em um série tão limitada quanto esta. No primeiro episódio, é possível reconhecer uma estrutura de três atos bem delimitados por circunstâncias revigorantes, que impedem a trama de cair no tédio, ou de perder a atenção do espectador. A grande reviravolta por aqui, embora não seja nada genial, é capaz de impactar o espectador por conta da construção que foi sendo feita durante o interrogatório, utilizando-se das divergências no comportamento do suspeito para criar a atmosfera de incerteza. 

A montagem, por outro lado, não parece tão interessada em conservar a atenção do público (tal qual em outras versões), mas sim em direcioná-la de acordo com as intenções do roteiro. O segundo episódio traz exemplos perfeitos dessa estratégia, complementando a construção da dinâmica entre o líder da unidade, um suspeito protegido por seu status, e um advogado que se destaca em meio a todos os outros apresentados pela coleção. O advogado em questão toma conta do interrogatório com sua presença (chega até a mudar as posições das cadeiras), e toma o lugar do suspeito na hora de responder as perguntas, alterando consideravelmente a situação. 

Em um quadro específico (para ilustrar os meus elogios aos trabalhos de enquadramento da coleção), o plano da cena se estende por um bom tempo sem cortes, retratando o detetive ocupando boa parte da tela em primeiro plano, com o suspeito logo à sua frente, diminuído por seu reflexo no espelho. O foco, no entanto, está literalmente no advogado, que só observa a interação, e reage com precisão nas horas que julga ser necessário intervir. Parece simples, mas é este tipo de atenção à composição que enriquece uma trama tão contida como as destes interrogatórios. 

E no terceiro episódio, temos mais uma trama envolvendo uma ligação pessoal entre o chefe da unidade, e a interrogada que, no caso, não é uma suspeita, mas sim a detentora de informações que precisam ser obtidas em um período de tempo específico. Nota-se o padrão destes terceiros episódios em cada uma das quatro séries, sempre tentando aumentar os riscos da trama em questão, e adicionar uma camada de urgência que possa concluir a temporada com mais emoção. 

Este último episódio também desenvolve o conflito que citei entre os protagonistas de forma eficiente, forçando o chefe da unidade a aceitar a questionabilidade de seus métodos (algo que senti falta na versão espanhola), e entregando momentos de tensão que se destacam em meio ao resto da série. Ironicamente, no entanto, as performances de Criminal: Alemanha não me chamaram tanto a atenção quanto o trabalho do roteiro, embora estejam longe de limitar o que vai sendo construído com cada diálogo.

É válido dizer que a peculiar proposta de Criminal gera resultados positivos nesta primeira leva de temporadas. Utilizar a versão britânica como referência faz sentido, uma vez que a proposta foi pensada originalmente pelos autores desta versão, mas enquanto pode-se perceber um desgaste do formato quando este não é marcado por inventividade narrativa ou performances impactantes, a versão alemã conseguiu revigorar esta abordagem além da curiosidade comportamental que chama a atenção do público. Após três episódios, já é perfeitamente possível compreender todo o funcionamento desta unidade, e reconhecer as possibilidades de futuras histórias. 

 Criminal: Alemanha não traz o mesmo entusiasmo nas diferentes abordagens que outros interrogadores apresentam para variar cada cenário, mas se esforça para que suas histórias sejam tão marcantes quanto qualquer técnica cativante que possa ser destacada nas outras versões. Como resultado, a Netflix deveria acompanhar o impacto deste experimento e, quem sabe, reproduzi-lo em outros gêneros dentro da plataforma. Por aqui, fica evidente o baixo orçamento que permitiu tal empreitada experimental, mas fico empolgado ao pensar no que poderia ser feito, caso decidissem se aventurar cada vez mais em formatos cuja funcionalidade é praticamente exclusiva de um serviço de streaming como este. 

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