Entrevista

Diretor Atom Egoyan elogia cultura brasileira e ressalta seu impacto no cinema

Durante o 74º Festival de Cinema de Berlim, o premiado diretor Atom Egoyan nos concedeu entrevista exclusiva, onde fala sobre seu mais recente filme, Seven Veils, de suas conexões e memórias afetivas com o Brasil e da influência e importância da música e da cultura brasileira para o cinema mundial

Hebert Neri entrevista Atom Egoyan em Berlim (Foto: Mariana Fontes)
Hebert Neri entrevista Atom Egoyan em Berlim (Foto: Mariana Fontes)

Colaboradores: Pedro Paulo Loureiro, Carol Scarpelli e Evandro Scarpelli

O diretor Atom Egoyan foi um dos destaques da 74ª edição do Festival de Berlim, que aconteceu de 15 a 25 de fevereiro desse ano, onde apresentou sua mais recente obra Seven Veils (título ainda sem tradução oficial para o português) em que assumiu os papéis de roteirista, diretor e produtor executivo.

Em Seven Veils, Egoyan trabalha pela segunda vez com a atriz Amanda Seyfried, conhecida por papéis icônicos em filmes como Garotas Malvadas (Mean Girls, 2004) e Mamma Mia 1 e 2 (2008 e 2018), que interpreta a protagonista de seu novo filme, Jeanine. O filme, que debutou no Festival de Toronto e estreia hoje no Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim) é no mínimo incomum e trata de temáticas universais como o amor, ciúmes e desejo, baseado na ópera “Salomé”.

O diretor de Exótica (1994), Adoração (2008) e O Poder da Traição (2010), entre outros longas importantes, coleciona prêmios e indicações de destaque em sua trajetória no mundo do cinema. Egoyan tem duas indicações ao Óscar, além de receber três prémios no Festival de Cannes e mais de uma dezena de outros prêmios em importantes festivais ao redor do mundo.

Egoyan nasceu no Egito e mora atualmente no Canadá, mas mantém com a Armênia -país de origem de seus pais- fortes ligações. Ele nos conta com exclusividade sobre suas memórias e conexões afetivas com o Brasil, revela que quase fez um filme no país e partilha um pouco de seu conhecimento e sua visão sobre arte, cinema e música. Confira:

Quem está envolvido com o mundo no cinema sabe que você, como diretor, tem uma visão muito peculiar e interessante das coisas, que está sempre presente em seus filmes, como o “Seven Veils” agora. Gostaria de saber como alguém com essa visão tão específica tenta chegar ao grande público. Qual a sua estratégia?

Bem, eu fiz muitos filmes. Alguns filmes alcançaram um público maior. Então, digamos que estou trabalhando em um thriller, igual ao que fiz em “Chloe”, que é estrelado por Amanda Seyfried e que está no meu novo filme. Então, esse tipo de filme é mais popular porque segue um tipo de história popular. Mas depois faço filmes que são mais individuais, que são criações mais artísticas, que vêm da minha imaginação e que talvez não caibam numa narrativa normal. São todos tipos diferentes de filmes e para cada filme tenho um público alvo.

O cinema é realmente uma forma de arte incrível, porque você pode usá-la para contar histórias muito pessoais. E você pode filmar no seu celular. E você ainda pode encontrar um público agora na internet apenas colocando-o em um mecanismo de busca. Mas existem muitos níveis diferentes de cinema. E especialmente agora, há tantas narrativas e histórias às quais temos acesso através de serviços de streaming. Então, acho que os festivais são muito importantes porque localizam obras de autoria pessoal. Os filmes que estou fazendo atualmente são motivados por uma visão mais pessoal.

Dentro desse contexto de visão pessoal e do acesso à arte, sabemos que você tem formação em música. Mas qual a motivação para fazer um filme falando de ópera?

Bem, quando você pergunta antes sobre meios populares, você sabe, a ópera costumava ser como o cinema. Antes do cinema, as pessoas iam à ópera. E é por isso que temos casas de ópera em todo o mundo, porque era uma forma popular. E então, quando estou contando a história de Salomé, agora neste filme, “Seven Veils”, temos que perceber que essa é uma história que está conosco há muito tempo. É uma história que vem da Bíblia. É uma história contada por muitos escritores diferentes, e então foi transformada nesta ópera muito popular.

Então, eu acho que a ópera ainda é uma forma muito persistente, que as pessoas vão para se emocionar coletivamente, para sentir emoções juntas. E acredito que essa seja a única coisa que acho que estamos perdendo de vista com o passar do tempo, quando assistimos, esses programas de forma individual, em nossos telefones ou em nossos computadores. É um prazer vivenciar uma sala cheia de outras pessoas e todos estão tendo a mesma emoção. Isso realmente afirma nossa humanidade coletiva. E, novamente, é por isso que os festivais de cinema são tão emocionantes, porque você tem essa experiência.

Então, podemos dizer que você está tentando tornar a ópera popular novamente?

Ah, essa é uma boa pergunta. Bem, a questão é a seguinte. A história de Salomé é uma história de ópera muito simples. O enredo é basicamente uma mulher que quer ter esse homem, mas aquele homem se recusa a dar-lhe atenção. Então ela faz algo muito violento no final para conseguir a atenção desejada. Ela quer beijá-lo mas ele não permite que ela o beije.

Então, ela faz com que ele seja decapitado para poder beijar-lhe os lábios. Essa é uma história maluca, mas é uma história muito simples. Muitas óperas são muito complicadas e você não sabe realmente qual é a história, mas esta é super simples.

E a outra coisa incrível é que essa ópera em si dura apenas 90 minutos. Portanto, a maioria das óperas dura quatro horas. Então, é fácil para as pessoas realmente acessarem. Tenho muitos amigos que não vão à ópera, mas que quando chegam a Salomé, entendem imediatamente. É uma história simples contada através de uma música poderosa e incrível. A música é muito dramática e emocionante, mas com um aspecto de suspense nisso. Portanto, é uma ópera fácil de ver se você nunca viu uma ópera antes.

Dito isto, no meu filme você não precisa conhecer ópera. Isso é explicado para você no filme. E não é importante que você conheça a ópera antes de ver o filme.

No Brasil, apesar de termos grandiosas casas de ópera, esse gênero musical não é tão popular, sendo considerado uma coisa para as elites. Então, você está nos dizendo que tanto a ópera como o seu filme não foram feitos apenas para as elites, certo?

Ah, absolutamente não. Não não. E especialmente neste filme. De certa forma, não quero que a ópera seja uma barreira para assistir ao filme. Você deve apenas pensar nisso como parte da história. Você não precisa saber nada sobre ópera para assistir ao filme.

Como cineasta você também é conhecido por trazer coisas inusitadas. Por que você gosta do inusitado?

Acho que precisamos, como cineastas, mostrar mundos inusitados. Tem tanta coisa que já vimos todos os dias quando estamos assistindo seja lá o que for. Você tem que estar vendo algo diferente. E penso, novamente, que o mundo que este filme apresenta é algo muito incomum.

Gosto muito de filmes que tenham um personagem que esteja sendo examinado psicologicamente e que eu nunca tenha visto antes. Por isso, acho que quando você assiste a um filme como Seven Veils, o personagem que Amanda Seyfried está interpretando, você nunca viu esse personagem antes. Absolutamente. Ela é uma personagem única.

Quem é a sua maior inspiração de todas para o que você faz?

Minha maior inspiração de todos os tempos? Uau. Essa é uma pergunta muito difícil. Eu diria que tem que ser Shakespeare. Shakespeare é realmente incrível para mim. Então, eu diria que ele é o mais importante.

O que pode nos dizer sobre a viagem que fez ao Brasil? Como foi a experiência no geral?

Para mim, você tem essas duas cidades, como entre Rio de Janeiro e São Paulo, que são tão contrastantes. Você não consegue pensar em mais duas cidades tão diferentes entre si. Mas, na verdade, devo dizer que gostei muito de São Paulo, porque uma vez que você entra nos espaços e entende aquela energia.

E também fiquei fascinado pela incrível arquitetura de Oscar Niermeyer. Aqueles prédios antigos no centro da cidade, o parque Ibirapuera, a arquitetura modernista. É uma cultura realmente incrível.

Também me impressionei bastante com a cultura musical, o cenário musical no Brasil. Eu estava lá com alguns amigos e como todos os dias íamos a diversos shows. E você vai de um show para outro. Foi realmente emocionante.

E falando de música e coisas inusitadas… Você já ouviu falar do funk brasileiro? E do baile funk? O que achou?

Sim. É bem diferente do que se chama funk em outros lugares, como nos EUA. Já ouvi falar sim dos baile funk, que são aqueles bailes descolados no Rio de Janeiro. Achei interessante. É uma expressão cultural.

Eu particularmente me sinto mais próximo de coisas mais old school, como a obra do ex-ministro da cultura brasileiro, Gilberto Gil.

Você já pensou em fazer um filme no Brasil?

Sabe, quase fiz um filme no Brasil porque teve uma série, Mundo Invisível (coletânea de curtas produzidos por Cakoff, com episódios dirigidos por Wim Wenders, Manoel de Oliveira, entre outros grandes nomes), que foi feita para um festival de cinema em São Paulo, em colaboração com Leon Cakoff, que também é descendente de armênios, assim como eu. Ele veio para a Armênia e fizemos um curta-metragem que fazia parte de uma compilação de filmes.

Como você acha que o público brasileiro vai receber o seu novo filme, Seven Veils?

Acho que seria muito emocionante, sabe? Como algo muito incomum.

O que você acha do cinema e dos cineastas brasileiros?

Vocês têm grandes cineastas no Brasil que estão fazendo filmes de pura arte, mas também filmes populares. O cinema existe em muitos níveis diferentes, em muitos níveis diferentes. Entre os cineastas brasileiros devo citar o diretor da Mostra de Cinema de São Paulo, que também é armênio, Leon Cakoff, que é alguém muito importante nesse contexto, porque ele teve essa ideia de levar o cinema de arte ao público brasileiro.

Devo dizer também que ganhei um prêmio no Festival de Cinema de São Paulo há muitos anos. E eu vim e foi realmente uma grande honra estar no Brasil porque há uma cultura cinéfila muito grande lá.

Para concluir: gostaria que você mandasse uma mensagem para todos no Brasil, mas diga algo que você nunca disse antes para ninguém.

Vou lhe contar uma coisa que nunca disse a ninguém antes: o efeito da cultura musical que veio do Brasil teve um impacto enorme no mundo do cinema, muito além do que você pode imaginar e acho que sinto uma gratidão à cultura do Brasil por esse motivo.

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