O desfecho de A Crônica Francesa é um verdadeiro tributo de Wes Anderson ao jornalismo de outrora. A estrutura narrativa do longa dividiu a opinião dos críticos, mas todos podem concordar que o filme fez um trabalho excelente ao transportar o estilo das revistas dos anos 60 para as telonas. O site Screen Rant explicou tudo sobre o desfecho do longa e o significado de cada uma das reportagens; confira abaixo.
No final de A Crônica Francesa, o obituário da sala de imprensa não representa apenas uma despedida à publicação fictícia do filme, mas um ato de agradecimento a essa importante era do jornalismo impresso. Em seu núcleo, o filme de Wes Anderson serve como uma homenagem às revistas e publicações como a The New Yorker – uma forma de arte que não existe do mesmo modo na atualidade.
Nostalgia é o tema que conecta todos os filmes de Wes Anderson, e sua presença em A Crônica Francesa se alinha mais profundamente à caracterização e ao desenvolvimento familiar interrompido dos personagens de Os Excêntricos Tenenbaums.
Como A Crônica Francesa encerra sua trama com o falecimento do jornalista fictício Arthur Howitzer Jr., interpretado por Bill Murray, Wes Anderson essencialmente sugere que a era clássica das revistas morreu com Harold Ross – o icônico fundador da The New Yorker.
A reportagem de Owen Wilson
A seção mais curta de A Crônica Francesa traz Owen Wilson como Herbsaint Sazerac, um jornalista de uma revista de viagem.
O personagem viaja de bicicleta pelos cenários bucólicos da fictícia Ennui-sur-Blasé, revelando as belezas e as tragédias da pequena cidade francesa em seu artigo.
Os gatos que se espreguiçam nos tetos das casas, a rotina agitada dos trabalhadores na manhã, as prostitutas que povoam as esquinas à noite, a beleza arquitetônica dos edifícios… nada fica de fora do artigo de Sazerac.
A seção de Owen Wilson é a que mais remonta aos filmes anteriores de Wes Anderson, como O Grande Hotel Budapeste. O cenário francês não é uma simples coincidência: é uma homenagem do diretor ao país e às rotinas das cidades pequenas nos anos 60.
O artista torturado de Benicio del Toro
Das 5 seções do filme de Wes Anderson, a mais elogiada pela crítica foi “The Concrete Masterpiece” (A Obra Prima Concreta).
A reportagem em questão é escrita pela jornalista J.K.L. Berensen, interpretada por Tilda Swinton, e acompanha a história do artista Moses Rosenthaler, vivido por Benicio del Toro – que aprisionado em um manicômio por assassinato, pinta retratos abstratos da carcereira Selina.
Julien Cadazio (Adrien Brody), um ex-detento e negociante de arte, deseja comprar e vender as pinturas de Rosenthaler, mesmo a contragosto do artista.
Como as obras de tornam rapidamente uma sensação no mundo da arte, Cadazio retorna em busca de peças mais elaboradas. Rosenthaler surpreende ao pintar imagens extravagantes nas paredes da prisão, e por isso, o personagem de Adrien Brody remove toda a parede de concreto – permitindo assim que a obra seja vendida e replicada.
Rosenthaler é, claramente, o herói dessa seção de A Crônica Francesa, um artista literalmente e figurativamente torturado. Ele pode até ser um assassino, mas seus talentos continuam a ser explorados na busca por lucro.
Sua forma de vingança é criar obras primas em uma parede de concreto, que não se encaixa na comodificação de sua arte – o que leva a uma briga entre Rosenthaler e Cadazio, que alterna entre cenas em preto e branco e coloridas.
A Crônica Francesa de Wes Anderson é claramente uma “carta de amor à arte”, e a seção sobre o artista aprisionado é uma maneira interessante de abordar a exploração financeira do talento.
As pinturas mais abstratas do personagem de Benicio del Toro são as mais populares, e discutivelmente, também as mais expressivas.
O quatro que mais chama atenção, exatamente por ser diferente das demais, é o auto-retrato de sua doença mental, pintado pelo artista ainda na juventude – a última obra mostrada com apenas um admirador ardente.
A reportagem de Jeffrey Wright sobre o chef de cozinha
Essa seção de A Crônica Francesa funciona como uma homenagem à arte da culinária e às paixões dos jornalistas e escritores.
A declaração do personagem de Jeffrey Wright, que afirma ser uma pessoa esquecida mas com memória fotográfica, parece simbolizar a maneira que os escritores são torturados e criticados dentro de seus próprios trabalhos.
É um clichê afirmar que escritores se lembram de todas as palavras escritas, mas que costumam esquecer eventos importantes da vida cotidiana.
O personagem escreve sobre um talentoso chef de cozinha de Ennui-sur-Blasé – embora esse chef tenha sido relativamente esquecido na época da produção da matéria.
A trama em questão foca bem mais na arte do jornalismo e no talento das pessoas criativas do que na carreira e nos pratos do chef que é tema da reportagem.
Semelhante à trama de Benicio del Toro, a história é recontada por um escritor durante uma entrevista nos anos 70.
A seção culinária de A Crônica Francesa foca mais no jornalista do que no tema da matéria e aborda questões importantes relacionadas à integridade da mídia e à inserção de um autor em sua obra.
Como o filme de Wes Anderson também funciona como um tributo às pessoas criativas nos bastidores das histórias, não é uma surpresa o fato do filme focar ao mesmo tempo nos criadores das histórias e reportagens em si.
Essa parte também é uma homenagem ao grande escritor James Baldwin, o que é comprovado pela entonação do personagem de Jeffrey Wright e os elementos que ele escolhe incluir e omitir em suas histórias.
A Crônica Francesa mostra o quão perigosa pode ser a busca dos jornalistas pela verdade. O personagem de Jeffrey Wright queria apenas comer uma refeição feita pelo chef na casa do comissário de polícia – mas acabou se envolvendo em um eletrizante sequestro.
O chef, embora apareça apenas em algumas cenas de A Crônica Francesa, é o herói da história. Afinal de contas, é ele quem prepara a comida que envenena os sequestradores e salva Gigi.
A trama política de Timothée Chalamet
Uma das partes mais interessantes de A Crônica Francesa envolve Zeffirelli, um jovem revolucionário interpretado por Timothée Chalamet. A trama é ambientada na França de 1968, e traz a jornalista Lucinda Krementz, vivida por Frances McDormand, como narradora.
Essa seção envolve principalmente a produção do manifesto de Zeffirelli, e aborda um aspecto do jornalismo que continua presente na indústria até hoje.
Na trama, Krementz se coloca muito próxima ao tema de sua matéria. A personagem seduz Zeffirelli, corrige seu manifesto e contradiz sua própria integridade e ética jornalística.
A seção fica um tanto quanto estranha quando Zeffirelli é obrigado a escolher entre um affair com a jornalista e um romance com sua colega revolucionária, mas na verdade, é baseada em uma figura da vida real.
“Revisions of a Manifesto” apresenta uma visão absurdista sobre as Revoltas Estudantis Francesas, que aconteceram em maio de 1968, lideradas por jovens ativistas que lutavam por maior liberdade sob um governo conservador.
Na época, a juventude francesa estava cansada das ordens e restrições na sociedade. Os protestos começaram entre os estudantes da Universidade de Paris, e rapidamente se espalharam para outros setores da sociedade.
Em maio de 1968, mais universidades francesas entraram para o movimento, que trouxe também a prisão de inúmeros estudantes pelas manifestações. As forças policiais do país coibiram durante as manifestações – embora não tenha existido um jogo de xadrez entre o jovem líder revolucionário e o chefe da polícia, como mostra o filme.
Não é apenas o aspecto revolucionário do longa que é baseado em uma história real. A jornalista interpretada por Frances McDormand é inspirada em Mavis Gallant, que escreveu participou da revolução de 1968 e escreveu um excelente artigo sobre os movimentos estudantis.
Assim como a personagem de A Crônica Francesa, o artigo de Gallant trouxe a própria jornalista como uma personagem em meio à ação, ao invés de retratar a história como uma observadora externa.
A mensagem final de A Crônica Francesa
Em geral, A Crônica Francesa representa a homenagem de Wes Anderson a uma era do jornalismo que não existe mais. O diretor foca tanto nos jornalistas que produzem os artigos quanto nos artistas que servem como temas para as matérias.
Os artistas são sempre caracterizados pelo diretor como os “heróis de suas histórias”, o que pode ser comprovado com perfeição na trama do personagem de Benicio del Toro.
Já o revolucionário interpretado por Timothée Chalamet é um “artista político”, que serve como rosto da revolução estudantil. O personagem morre em busca de seu sonho, arriscando a própria vida para divulgar sua mensagem.
Na seção do personagem de Jeffrey Wright, o herói é o chef de cozinha, que mesmo não tendo uma importância tão grande no filme, consegue salvar Gigi com a comida envenenada. O personagem também é um artista, e sua arte está no apreço pela culinária.
Com a morte do personagem de Bill Murray, inspirado pelo jornalista Harold Ross, Wes Anderson confirma que essa era do jornalismo chegou ao fim – em um filme repleto de homenagens aos profissionais da área da “arte de se fazer notícia”.
Crônica Francesa, de Wes Anderson, está em cartaz nos cinemas brasileiros.