Feminicídio

Crítica – Noite Passada em Soho

Projeto mais recente de Edgar Wright tem boas intenções, mas falha de modo retumbante ao abordar o masculino predatório em débil terror psicológico

Toda vez que sai um filme de Edgar Wright sempre é aquele frisson. Bem justificado, devemos lembrar, pois o diretor inglês de apenas 47 anos de idade nos presenteou com algumas joias ao longo da carreira, como por exemplo: Todo Mundo Quase Morto (2004), melhor trabalho que já fez; Scott Pilgrim contra o Mundo (2010); e, Em Ritmo de Fuga (2017).

Seu projeto mais atual teve uma ajudinha de Quentin Tarantino, mais especificamente com o título original, no caso, ‘Last Night in Soho’.

“Em ‘À Prova de Morte (2007)’, Quentin usa uma música de Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich chamada ‘Hold Tight’”, disse Wright. “Eu estava conversando com ele sobre aquela música e aquela banda, e ele disse – ‘Você já ouviu a canção ‘Last Night in Soho?’” Ele tocou a música para mim e disse – ‘Esta é a melhor música título para um filme que nunca foi feito’.

Porém, se formos analisar mais a fundo, veremos que também há um pouco de Era Uma Vez em Hollywood (2019) em Noite Passada em Soho, já que ambos projetos voltam no tempo para elevar um específico período passado de duas grandes cidades do mundo. Tarantino visitou Los Angeles, enquanto Wright perambulou pela capital Londres.

O thriller psicológico de Edgar Wright nos introduz Eloise (Thomasin McKenzie), uma aspirante a designer de moda, que é misteriosamente capaz de entrar na década de 1960 durante seus sonhos, onde ela encontra Sandie (Anya Taylor-Joy), uma deslumbrante cantora. Entretanto, o glamour não é tudo o que parece ser e os sonhos do passado começam a rachar, fragmentando-se em algo muito mais sombrio e aterrorizante.

Narrativa esgotada

São dois os problemas que podem ser encontrados no roteiro escrito por Edgar Wright, junto de Krysty Wilson-Cairns: primeiro, um excesso de elementos narrativos que jogam uns contra os outros, deixando a narrativa à deriva em muitos momentos; e, segundo, um massacre pelas repetições que esvaziam o material, que vai perdendo qualquer possibilidade reflexiva claramente intencionada pelo cineasta.

Quando se comenta que há uma demasia de ingredientes nessa receita, diz-se sobre a perda da inocência em um ambiente desconhecido, a vida frenética e sobrecarregada em uma cidade grande, depressão e esquizofrenia, bullying feminino, competitividade no meio da alta costura, idealização do passado, habilidades sobrenaturais, entre outras coisas.

Tudo isso em um enredo de “terror psicológico” que é incapaz de assustar ou atormentar nosso íntimo. Nem uns calafrios leves Noite Passada em Soho conseguiu proporcionar.

Não há problema algum em misturar todas estas ideias e mirar uma certa proposta com isso, todavia, ficou muito perceptível que Wright não soube balancear as partes, deixando uma atmosfera rasa de modo geral para o seu público, que facilmente se encantará com os aspectos visuais e sonoros propostos pelo cineasta, desviando a atenção daquilo que é uma declaração falha.

Mesmo cinematograficamente, podemos afirmar que Edgar Wright foi burocrático na maior parte do tempo, incluindo algumas transições previsíveis que cansam rapidamente sem qualquer traço de encantamento, nem mesmo na primeira parte quando Eloise, interpretada de modo enérgico por Thomasin McKenzie, mergulha na tão sonhada Londres da década de 1960.

Isso sem contar as repetições exaustivas que infestam a narrativa, principalmente nos momentos que o diretor visa praticar cinema de gênero.

Masculino predador

Apesar de tantos contratempos técnicos atabalhoados, percebemos em Edgar Wright uma boa intenção para demonstrar o terror que dilacera o espírito feminino: nós, homens.

Em Noite Passada em Soho vemos o grau da deformação que causamos em tantas mulheres, das pequenas atitudes tóxicas, até as mais repugnantes ações.

Admite-se que a resolução da história faz melhor que o restante do enredo, especialmente pela performance da recentemente falecida atriz Diana Rigg (1938 – 2020); mas, também por buscar unir a comunidade feminina, abraçando-a pelo horror vivido por décadas e mais décadas, chegando em uma ainda assustadora realidade onde o feminicídio foi normalizado pela sociedade de modo geral.

Infelizmente, apesar das boas intenções do cineasta inglês, não podemos dizer que existe um impacto emocional suficiente para elevar o material em Noite Passada em Soho, que ficou mais para Demônio de Neon (2016) de Nicolas Winding Refn do que O Homem Invisível (2020) de Leigh Whannell. Uma pena.

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