Filmes

Crítica | Projeto Gemini

Concebido em 1997 pelo roteirista Darren Lemke, o enredo de Projeto Gemini levou mais de vinte anos para encontrar uma forma de chegar às telas. Como todo projeto do tipo, ainda revisado e reescrito ostensivamente por um punhado de outros roteiristas – entre eles David Benioff, de Game of Thrones -, o material surge bagunçado na mesma medida que soa datado, dependendo inteiramente de seu astro e suas virtudes técnicas para sustentar interesse.

O conceito de um assassino veterano sendo perseguido por uma versão mais jovem de si mesmo seria realmente proveitosa, caso servisse a um longa mais focado na entrega da ação. A história de Henry Brogan (Will Smith), no entanto, já surge repleta de frases melosas para construir a angústia da personagem arrependida de suas sinas, como “não consigo mais me olhar no espelho”, a caminho de sua iminente aposentadoria – que, como sempre, não virá tão fácil.

Esta frase de Henry não é apenas de efeito, já que Brogan de fato voltará a encarar a si mesmo da forma mais inusitada ao confrontar seu jovem clone, Junior. Porém se este embate é o chamariz do roteiro, vale notar que a réplica dá as caras um tanto tarde, após um ato inicial excessivamente preocupado em transmitir detalhes expositivos – e tediosos – de trama que, na verdade, nada mudam seu entendimento.

O carisma de Will Smith é o que alivia este vazio inicial, imbuindo até mesmo algumas de suas falas mais risíveis com uma dose de autoconsciência. Aliada a ele, a personagem de Mary Elizabeth Winstead também surge carregada de um humor ciente da cafonice dos diálogos, apesar de ter muito pouco o que fazer no decorrer da fraca história além de apresentar uma ou duas novas informações.

A adição de Junior à mistura captura a atenção por representar as maiores promessas de Projeto Gemini: algumas cenas de ação espetaculares e uso inovador de efeitos digitais na recriação de Smith em seus 23 anos, rendendo uma atuação duplamente esforçada do astro. A entrada de Junior em cena não poderia ser melhor, chutando as portas com uma memorável perseguição nas ruas de Cartagena, que divide-se praticamente em três estágios.

Estes cinco ou seis minutos na cidade colombiana são a prova de conceito da outra principal tecnologia promovida pelo diretor Ang Lee e a Paramount, o 3D+, que é basicamente uma projeção em três dimensões, com altíssima resolução e taxa de quadros elevada, que no caso dos cinemas brasileiros fica na marca de 60 quadros por segundo. É de se impressionar como estes detalhes criam novas possibilidades de linguagem e realçam o esmero dos efeitos.

Neste confronto específico, por exemplo, a decupagem é pensada para evocar uma gramática visual mais facilmente encontrada em videogames, posicionando a câmera atrás dos combatentes ou mesmo da perspectiva das miras metálicas de suas armas, trocando entre estes pontos de vista com fluidez e liberdade. O momento em que degladiam com suas motos por vielas e muros é ainda mais feliz nesse multi-tasking imagético.

A fotografia cristalina de Dion Beebe, grande nome da cinematografia digital que colaborou de forma notável com Michael Mann em Miami Vice e Colateral, não só torna texturas e reflexos de objetos mais convincentes e palpáveis como realça a profundidade de campo com uma iluminação sempre em high-key, que é demonstrada nestes planos em primeira pessoa e outros que cuidadosamente posicionam personagens em diferentes estâncias da câmera.

Com esta estética que se aproxima um pouco mais da qualidade da vista humana, reproduzindo tonalidades variadas de cor e iluminação gradiente com o cada vez mais comum alcance dinâmico (HDR), é uma pena que Ang Lee nem sempre tenha a inspiração necessária para usar esta tecnologia com fins marcantes. Fora pelas lutas e tiroteios, sua proposta cênica geral logo torna-se repetitiva, recorrendo ao esquema plano / contraplano.

Nem mesmo a ação fica totalmente livre de limitações, como a luta nas catacumbas de Budapeste que, propositalmente escura e sub-exposta, torna fácil perder de vista quem está batendo em quem debaixo dos óculos 3D. Uma decepção já que um cineasta dos ranques de Lee poderia antecipar detalhes como este, principalmente com um diretor de fotografia engenhoso como Beebe. Já outras decisões experimentam de forma radical com a dimensão do zênite, como um zoom-in / zoom-out extremo no para-brisas de um veículo, mas são raras e destoantes.

Questiona-se, também, se Projeto Gemini possa vir a perder sua finalidade caso visto em duas dimensões, rodando a 24 quadros por segundo. É possível notar que os efeitos digitais, em sua maioria, são favorecidos pela tecnologia do 3D+, mostrando-se mais nítidos e fluidos. Com notícias de que nem todo cinema no mundo será capaz de exibir o longa nas condições originais (120 quadros / 4K), inevitável pensar que Lee tenha tropeçado em sua precipitação por mudar o cenário tecnológico.

Mas um bom entretenimento ainda estaria provavelmente garantido caso a péssima história não entrasse tanto no caminho e interrompesse o que é, em certos instantes, um longa de ação competente. As tentativas finais de extrair emoção da relação entre Junior e seu mentor Clay Verris (Clive Owen), por exemplo, acabam sabotadas pelo fraquíssimo desenvolvimento deste núcleo, que tem poucos minutos de tela, e transformam o embate final numa sessão barata de terapia familiar.

Projeto Gemini cai por terra neste encerramento que, além de murcho nestas resoluções dramáticas que quer trazer às personagens sem mal tê-las desenvolvido, introduz ainda um último elemento de trama que beira o aleatório para alongar um pouco sua última batalha – talvez algo acrescentado em revisões posteriores ao roteiro original. O epílogo, então, é capaz de superar toda a tolice que veio antes, mas pelo menos faz isso com humor.

Constata-se que nem a melhor tecnologia ou o melhor astro é capaz de sustentar um roteiro tão incongruente, que ao menos poderia ter simplificado certos detalhes desimportantes para desenvolver mais aqueles importantes à conclusão ou, na falta de alternativas, dar maior espaço à espetacular ação. É incompreensível que Lee tenha visto neste material abandonado a melhor maneira de vender sua tecnologia. O sempre carismático Smith, por sua vez, não precisa nos convencer de mais nada.

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