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Crítica | Se a Rua Beale Falasse

Polêmica do envelope à parte, a vitória de Moonlight: Sob a Luz do Luar pelo Oscar de Melhor Filme marcou um ponto altíssimo para um cineasta que, antes disso, havia feito apenas um pequeno indie. Já ficou a dúvida se esse cineasta, Barry Jenkins, conseguiria se superar com seu terceiro filme, Se a Rua Beale Falasse, indicado agora a três Oscars (Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora). Para responder essa dúvida, vai uma pergunta curta: precisa?

Adaptação do livro homônimo de James Baldwin, Se a Rua Beale Falasse conta a história de duas pessoas, juntas e separadas. Fonny (Stephan James, de Homecoming) e Tish (Kiki Layne) são um casal negro apaixonado nos meados da década de 60, e que logo se veem separados após o homem ser preso injustamente. Um detalhe: pouco antes do namorado ser encarcerado, a garota ficou grávida. Desejando que a criança tenha uma mãe e um pai, Tish faz de tudo para provar que Fonny é inocente.

Apesar de ter seu núcleo bem definido como o casal Fonny e Tish, a história aqui não é só deles. Há um vasto elenco de personagens coadjuvantes e uma gama temática maior ainda, marcando uma primeira experiência de Jenkins com uma visão macro, além do escopo micro dos longas anteriores. Como ocorre com diretores / roteiristas que se propõe expandir seu alcance, há altos e baixos que vem com essas mudanças, e embora a trama seja bem narrada e amarrada por Tish, o longa carece de foco.

Ao procurar englobar muito mais do que consegue, a estrutura na qual o enredo se apresenta é, ao todo, um pouco desconjuntada e indecisa. A apresentação dos personagens principais e suas respectivas famílias é bastante eficiente por uma série de motivos (que mencionarei abaixo), mas além deste ponto torna-se tão dispersa entre subtramas e memórias que logo parece material para uma minissérie. Certas participações, como as de Diego Luna e Pedro Pascal, são quase inconsequentes e soam como meras “cameos”.

Ainda assim, alguns desses desvios levam a momentos poderosos. A participação de Bryan Tyree Henry (Atlanta) como Daniel, um amigo de Fonny, é um belo exemplo, pois além de permitir conhecermos melhor a visão individual de mundo de Fonny, também rende um monólogo devastador sobre o tempo do amigo na prisão – “o cara branco só pode ser o demônio”. É o tipo de texto tão afiado que perfura o coração e ainda torce a faca, deixando um sentimento quase intransponível de desesperança – que, diga-se de passagem, também é transmitido pela perturbação nas cordas do compositor Nicholas Brittel.

Mas além do forte diálogo, a decupagem desta cena é brilhante. Enquanto Daniel relata a Fonny os horrores do cárcere e Tish prepara o jantar aparentemente alheia, vemos apenas longos closes dos dois amigos tendo esta conversa em voz baixa. Ao final desta sucessão de planos entre os rostos dos homens, há uma quebra com um plano próximo de Tish, de costas e tremendo para manter a calma por escutar os pesados relatos de Daniel. É um momento breve mas que diz tudo sobre a posição que a personagem ocupa na trama, aparentemente de escanteio mas, na verdade, bastante observadora.

Há outros trechos instigantes em Se a Rua Beale Falasse, e com um olhar rigoroso que poucos cineastas possuem, Jenkins mostra-se capaz de investigar o interior de suas personagens com soluções tão simples. Mas às vezes o diretor exagera na dose, controlando em excesso a movimentação dos atores e da câmera e tornando certas cenas menos espontâneas. A primeira transa de Fonny e Tish, por exemplo, é posada demais para transmitir insegurança ou falta de jeito, e as trocas de olhares entre os dois ao longo do filme tornam-se frequentes ao ponto de soar didáticas no reforço de sua paixão.

Porém o olhar de esteta agrega mais do que subtrai, refletindo-se também no departamento de direção de arte, em especial a paleta de cores. Na verdade, conhecemos mais de Fonny e Tish se observarmos as cores de suas roupas ao longo do filme. Quando estão decididos a ficar juntos, os dois misturam peças amarelas e azuis, mas em outro estágio da união, vestem apenas os tons usados por suas respectivas famílias: a dele, cores quentes como vermelho e laranja, e a dela, cores mais neutras como azul e verde. Já quando Tish defende sua gravidez sozinha, usa uma única peça com detalhes verdes e amarelos, carregando um pouco de Fonny consigo.

Jenkins também mantém a ótima condução de atores, conseguindo o melhor de cada um dos rostos, conhecidos ou desconhecidos, que surgem no decorrer do longa. O ponto alto está na feroz discussão familiar que se dá cedo no longa, após a revelação da gravidez de Tish, pela entrega distinta e o timing afiado de tantos intérpretes confinados em uma apertada sala de estar. Na realidade, tanto do longa depende da interação entre dois ou mais atores que ninguém chega a se destacar individualmente. Nem mesmo a laureada Regina King, forte na corrida do Oscar e que apenas tem sua chance de brilhar por um longo desvio do enredo.

Apesar de imperfeito – existe filme perfeito? -, Se a Rua Beale Falasse merece respeito por transmitir suas ideias e emoções por algo muito além de um roteiro bem escrito ou uma bela trilha que convida às lágrimas. Sua construção se dá através do mais completo fazer cinematográfico, com atenção cirúrgica para cada recurso estético ou narrativo. Mesmo seus deméritos surgem de uma tentativa de fugir de uma realização medíocre, o que já torna a obra de Jenkins digna de memória – que fica marcada pelo emblemático plano final, onde o simples gesto de estender os braços ao outro gera uma pequena explosão de catarse.

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