Séries

Better Call Saul | Crítica - 4ª temporada

Desde que estreou em 2015, Better Call Saul manteve o alto nível de técnica e narrativa de sua série genitora, Breaking Bad, e os criadores Vince Gilligan e Peter Gould vinham oferecendo uma trajetória inesperada e envolvente para Saul Goodman, ainda conhecido como o advogado Jimmy McGill.

A cada nova temporada, o personagem de Bob Odenkirk se tornava um pouco mais parecido com a figura extremamente sarcástica e fanfarrona que conhecemos na história de Walter White e seu Heisenberg, e quando chegamos no trágico final da temporada passada, que acabava com a morte de seu irmão Chuck (Michael McKean), Gilligan e Gould tomam uma decisão igualmente inesperada e ousada para a 4 temporada: um ano sabático.

Nos primeiros episódios, a reação de Jimmy é curiosa: aparentemente apático e não surpreso, é a Kim Wexler de Rhea Seehorn que representa o ponto mais emocional, assim como sua relação com o protagonista. Ainda com a licença de advocacia cassada, Jimmy passa praticamente toda a temporada entre empregos e atividades ilícitas, sem parecer construir uma grande trama ou um plano audacioso, tal como acontecia nos anos anteriores, especialmente quando tais esquemas envolviam superar seu irmão em casos legais impossíveis. Dessa forma, Better Call Saul 4 parece não ter um rumo.

É uma decisão que reflete o estado de seu protagonista, e que rende situações individuais hilárias, vide o episódio em que Jimmy forma um esquema para roubar um bonequinho colecionável raro ou a histérica arapuca para impedir que um de seus colegas (Huel, de Breaking Bad) vá para a cadeia; sendo especialmente memorável quando Kim abandona sua bússola moral e revela uma imaginação tão fértil quanto a de Jimmy para bolar planos que sempre puxam o tapete do espectador, sendo impossível não esboçar um sorriso ao observar seu desfecho. Porém, por mais que essas situações quase sirvam como um antologia, fica a impressão de que não sabemos para onde Jimmy vai, sempre flertando com um mundo criminoso que o espectador já sabe que ele inevitavelmente vai assumir, o que pode tornar a experiência como um todo frustrante.

O arco mais seriado é o que envolve o Mike Ehrmentraut, Gus Fring e as guerras de cartel na fronteiro de Albuquerque. Pessoalmente, sempre fui mais interessado no arco de Jimmy e Kim, com o conflito entre a família Salamanca e o misterioso dono do Los Pollos Hermanos servindo mais como um easter egg, e que nessa temporada giram em torno da construção de uma passagem para o tráfico de drogas de Fring, o que toma boa parte dos blocos envolvendo Mike e os trabalhadores alemães. Quando temos Gus e sua trégua frágil com o cartel de Salamanca, a série decola, e agrada os fãs de Breaking Bad ao trazer aparições dos primos silenciosos de Tuco e também apresentar um tremendo monólogo que introduz o icônico sino de Hector.

Já quando estamos com os trabalhadores alemães, a narrativa aposta em uma justificativa fraquíssima: o sumiço do chefe dos engenheiros, Werner, que aparentemente apenas quer ver sua esposa, da qual sente extrema saudade. É o tipo de justificativa que faz o espectador torcer por uma virada de tapete, mas que acaba decepcionando por não ter nada atrás da cortina – além de um raro momento de vulnerabilidade para Mike, que encontrara um verdadeiro amigo ali.

Mas se há algo que nunca deixa de impressionar em Better Call Saul é seu primor plástico. Contando com nomes do calibre de Michelle MacLaren e Andrew Stanton (Procurando Nemo), a direção do derivado está inspirada como de costume, onde vemos uma atenção primorosa para a paleta de cores e posicionamento de câmera, que sempre exploram as possibilidades estimulantes da direção de arte e a paisagem natural de Albuquerque. Talvez Stanton tenha sido o nome que mais se destacou entre os diretores, conseguindo fazer uma cena de diálogo entre Jimmy e Kim ser tão perturbadora (graças a sua variação de planos) quanto um embate entre Jimmy e membros de uma gangue, onde o uso da câmera de ponta cabeça quase faz os personagens parecerem estar em um aquário; uma referência divertida a seu trabalho em Procurando Nemo, quando paramos para pensar.

Durante os episódios finais, há momentos de puro suspense Hitchcockiano, especialmente quando o arco de Mike toma uma reviravolta dramática, com o sumiço de Werner. Por mais que a motivação não seja particularmente envolvente ou recompensadora – por ser nada mais do que um homem comum querendo ver sua esposa – Gilligan e Adam Bernstein, no finale, conduzem a jornada desesperada de Mike com maestria, que fica ainda mais primorosa quando Lalo passa a persegui-lo. A engenhosidade de Mike ao usar um chiclete para ganhar vantagem, e a forma como a direção conta cada etapa apenas visualmente, sem uma linha de diálogo, é o mais cinematográfico que Better Call Saul é capaz de alcançar. É mais substância do que conteúdo, mas do melhor qualidade.

Por fim, mas não menos importante, o elenco continua mostrando-se afiadíssimo, e em sintonia com o alto nível estético da produção da AMC. Dizer que Bob Odenkirk é um bom ator dramático já virou um clichê à essa altura do campeonato, e o ator consegue explorar esse marasmo mental no qual Jimmy encontra-se perdido de forma sutil e repleta de pequenas nuances, aqui até mesmo apresentando uma persona mais sombria – e que vai se aproximando do Saul Goodman que conhecemos, o que inclui sua cada vez mais frágil relação com Kim. Rhea Seehorn, inclusive, talvez seja o elemento secreto do seriado. Desde a primeira temporada a atriz vem entregando um trabalho sólido com a maior companheira de Jimmy, mas nesta temporada vemos a advogada cada vez mais flertando com o lado trapaceiro de Jimmy, mas sem nunca se deixar “afundar” por completa nesse tipo de vida. Quando os dois finalmente explodem e resolvem gritar seus conflitos, em uma excepcional cena no episódio 9, temos uma amostra de boa dramaturgia na TV. Dois atores no topo de seu jogo.

Na ala mais coadjuvante, Jonathan Banks segue fazendo um Mike sempre interessante e divertido, ainda que sem grandes novidades. O mais bacana fica justamente com sua aproximação com Werner, que acaba servindo como um elo emocional para compensar a ausência do arco de sua neta, e que acaba funcionando pelo desfecho mais urgente. A presença de Giancarlo Esposito por si só já garante boas cenas, como o excelente diálogo no qual visita Hector no hospital e compartilha a história sobre como pegou um animal selvagem em seu quintal quando criança, não deixando dúvidas de que este é o personagem mais ameaçador do universo da série – pelo menos até Heisenberg aparecer alguns anos depois. De novas adições, vale mencionar o bom trabalho de Tony Dalton como Lalo, sendo eficiente em criar uma figura charmosa, mas letal, e que promete se destacar em futuras temporadas.

A quarta temporada de Better Call Saul se desenrola como um grande respiro após o final sufocante de sua terceira – e melhor – temporada. Não temos um rumo de história bem estabelecido ou núcleos particularmente fortes para os coadjuvantes, mas a maestria do elenco, da técnica e dos momentos soldados acabam rendendo uma inusitada antologia, onde o espectador pode muito bem acompanhar pequenas histórias e situações aqui e ali, contadas por profissionais que são mestres no que fazem.

Better Call Saul | Showrunner fala sobre grande acontecimento do final da 4ª temporada

Sair da versão mobile