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Se Eu Fechar os Olhos Agora | Crítica - 1ª Temporada

Minisséries da Globo sempre impressionaram pela sua produção, mas muitas vezes deixam passar roteiros plastificados e transbordam uma dramaturgia que tem pouca eficiência fora do gênero das novelas. Se Eu Fechar os Olhos Agora traz todos os altos e baixos deste padrão, e raramente atinge todo o potencial de sua rica trama, mas nunca deixa de ser tão visualmente bem feita quanto passamos a esperar deste tipo de empreitada.

Se Eu Fechar os Olhos Agora é uma série baseada no livro homônimo de Edney Silvestre, contando a história de um crime ocorrido na pequena cidade de São Miguel, onde dois garotos encontraram o corpo de um bela moça esfaqueada e largada na beira do rio. O descobrimento desencadeia uma série de revelações e acobertamentos na cidade, envolvendo tanto as mais altas figuras políticas, quanto os membros mais ignorados desta sociedade.

Um mérito admirável desta produção (que provavelmente é proveniente do material original), a construção de universo da série é orgânica, estabelecendo as dinâmicas sociais de São Miguel e posicionando seus personagens em situações produtivas para que tenhamos um retrato envolvente deste ambiente, e de suas intrigantes conspirações. Com seus dez episódios, a série faz com o que o espectador esteja plenamente inserido no suspense que abrange toda a pequena cidade, alternando suas perspectivas de maneira equilibrada, e utilizando estas perspectivas de forma complementar.

O texto que constrói este universo é notavelmente incrementado por um visual chamativo, visivelmente caro e bem trabalhado, que reproduz a ambientação da época e cativa o espectador com planos bem detalhados, figurinos marcantes e uma fotografia cinematográfica que sempre parece ser uma prioridade para várias minisséries da Globo. Há um trabalho de linguagem que aproveita diversos recursos e técnicas internacionais, ao mesmo tempo em que se preservam métodos mais comuns ao trabalho nacional, principalmente nas novelas, que proporcionam uma distinção gratificante para a produção.

Tão eficiente quanto o visual (ainda que, às vezes, um tanto intrusiva) a trilha sonora de Se Eu Fechar os Olhos Agora também reproduz a ambientação da época enquanto elabora a atmosfera de suspense desta trama, sempre compassada e tensa, mas longe de tornar-se meramente genérica ou desestimulante. Todo este trabalho atmosférico da série é consistente e condizente com as composições narrativas da trama, e comprovam, mais uma vez, a qualidade não só almejada, como perfeitamente viável de nossas produções nacionais.

Narrada como em um livro de memórias, Se Eu Fechar os Olhos Agora expõe suas tramas como em um típico suspense de época, caracteristicamente nacional. Entre várias referências, um poderia se lembrar de “O Escaravelho do Diabo”, que teve uma adaptação para os cinemas, nos últimos anos.

Em meio às particularidades deste cenário, com direito à influências da era de Getúlio Vargas, acompanhamos tanto a visão abrangente de personagens importantes para a cidade, e suas conspirações, quanto a investigação intuitiva dos dois garotos que não se conformam com a falta de respostas para os acontecimentos horrendos que vão testemunhando. É uma divisão produtiva da narrativa, aprofundando as circunstâncias e riscos, enquanto permanecemos envolvidos com as atitudes e reações perfeitamente identificáveis destas crianças.

Eis que, no entanto, percebemos o quanto o argumento da série (a visão geral) é muito superior ao texto em si, com diálogos plásticos que, às vezes, se restringem à sua função dentro do roteiro, ao invés de comporem a personalidade destes personagens com naturalidade. É o velho problema de séries nacionais, que muitas vezes, soam como textos em inglês que foram traduzidos para o português, em um tentativa de tornar a série mais universal. Aqueles que assistirem à obras como esta em outros países, sem entender o nosso idioma, dificilmente se incomodarão com este empecilho, um fato que reforça a ideia de que grandes produções como esta são muito mais pensadas “para gringo ver” do que para cativar o público brasileiro.

É notável, a diferença nas entregas do elenco menos conhecido, em comparação com as grandes estrelas da produção. Não é que Mariana Ximenes, Murilo Benício e Débora Falabella não possuem falas engessadas (longe disso), mas percebe-se o quanto estes atores mais estabelecidos conseguem reproduzir a emoção de seus diálogos com mais particularidade e domínio da construção de seus personagens. Há uma personalidade em suas entregas capaz de tornar diversas passagens mecânicas, mais naturais, enquanto outros membros do elenco se mostram limitados à simplesmente enunciá-las, sem profundidade. Poderia-se, então, apontar que o problema não está no elenco em si, mas no modelo de direção de cena que produz uma inconsistência incômoda.

Frases como “Eu sou homem, eu sou rico. Eu dito as regras” são tão diretas que muitas vezes podem beirar o ridículo, se não forem entregues dentro um contexto bem trabalhado, e com uma interpretação pungente. De forma semelhante, referências como “bela, recatada e do lar” também podem soar artificiais, uma vez que remetem a elementos fora da série (neste último caso, percebe-se como Benício abraça a “graça” da fala).

E por mais envolvente que possa ser o mistério de Se Eu Fechar os Olhos Agora, sua evolução narrativa também apresenta altos e baixos bem contrastantes. A história trabalha seus personagens com um perigo palpável, causado pela luxúria pecaminosa que os aflige, e aproveita para aprofundar as perspectivas destes personagens diante das circunstâncias com relevância, tanto para a época, quanto para os dias de hoje. Os segredos que surgem por causa desta luxúria são os causadores de todos os males destas tramas, e mantém os principais temas da história em evidência durante todo o desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, também se percebe uma subestimação do espectador, com diversas reviravoltas não tendo o impacto proposto pelo roteiro, uma vez que a produção parece confundir prenúncio com estabelecimento, e “entrega” diversos pontos importantes, mas os trata como se não tivessem sido revelados, contando com uma falta de compreensão do público que só torna sua trama, menos memorável do que poderia.

Sem dar muitos “spoilers”, basta dizer que, salvas algumas exceções, as expectativas que a série imprime no espectador costumam ser cumpridas sem grandes reinvenções, e a gratuidade de algumas circunstâncias (o maior exemplo, sendo a questão racial desta história, e como os personagens negros estão inseridos na trama) chegam a ser pouco estimulantes no nosso cenário televisivo atual.

Se Eu Fechar os Olhos Agora é mais uma produção com padrão Globo, capaz de impressionar aqueles que a consomem superficialmente, ou que estão distantes do contexto nacional. É desanimador, no entanto, perceber o quanto a produção poderia se tornar ainda mais memorável, caso se dispusesse a construir seus textos com o mesmo apreço que tem por seu trabalho visual.

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