O ano de 2017 foi terrível em muitos sentidos para a indústria do entretenimento – seja pela consolidação de um monopólio, pela exposição de um abismo de impropriedades sexuais ou pelo êxodo em massa de espectadores do cinema, que preferiram assistir filmes em casa.
Para a televisão, no entanto, a Era de Ouro continua a todo vapor, com mais produções do que nunca, de forma que é impossível para qualquer crítico ou jornalista (incluindo este que vos fala) assistir a tudo que é considerado “TV imperdível” durante o espaço de um ano.
A lista que você encontra abaixo elenca as 15 melhores atuações masculinas que eu tive o prazer de ver em 2017, e não se pretende um review completo do mundo da televisão no ano. Tudo o que podemos fazer, em plena Peak TV, é tentar explorar da melhor forma possível, fazendo escolhas de qualidade.
Foi o que tentei fazer. Confira o resultado:
15. Brendan Gleeson (Mr. Mercedes, 1ª temporada)
A soberba adaptação de Mr. Mercedes, novela de Stephen King, para a TV, é sobre muitas coisas, especialmente sobre o que acontece quando um estilo de vida falido e uma sociedade política e socialmente tensa se encontra com as personalidades fragmentadas de dois homens à beira (ou muito além) do colapso nervoso. Enquanto Harry Treadaway desenha (elegantemente) seu Brody com pinceladas largas, o trabalho de preencher as lacunas nessa história fica com Brendan Gleeson, e o ator irlandês é a escolha perfeita para o trabalho. Como Bill Hodges, ele cria um personagem toxicamente masculino que aos poucos encontra seu caminho para um senso de identidade mais sutil, e talvez mais frágil – nunca temos a impressão que Hodges sai da beira do abismo, mas gostamos mais desse homem vulnerável e sincero consigo mesmo que chega ao final da jornada.
14. Tituss Burgess (Unbreakable Kimmy Schmidt, 3ª temporada)
Criar um dos personagens mais icônicos da comédia atual na pele de Titus em Unbreakable Kimmy Schmidt foi um feito e tanto nas duas primeiras temporadas, mas Burgess voltou com sede de muito mais no terceiro ano. O roteiro ajudou – aqui, é dada a oportunidade a Titus de se mostrar mais do que uma criação bem azeitada e detalhista de um time afiado de roteiristas cômicos. O personagem passa por experiências transformadoras e se vê seguindo caminhos inesperados, e Burgess espreme cada gota de limonada cômico e dramático que existe nessas narrativas. Sua performance expansiva se mostra, também, focada e pontual, e Titus caminha a passos largos para o panteão de personagens de sitcom que serão lembrados não só por piadas específicas (embora a canção “Boobs in California” seja, de fato, eterna), mas principalmente por uma personalidade bem desenhada e expressada em tela.
13. Paul Giamatti (Billions, 2ª temporada)
Na contramão de seu sucessor nessa lista, Paul Giamatti sempre foi muito bom em interpretar variações diferentes de um mesmo personagem. Chame-o para seu filme e você terá um vilão escorregadio perfeito, ou um homem bom, mas digno de pena, com um olhar ressabiado que tem a dica de algo intenso acontecendo por trás dele. Chuck, seu personagem em Billions, é uma mistura única das duas coisas, mas nele Giamatti é capaz de modular e direcionar sua habitual intensidade raivosa em cena em uma direção inédita, caminhando a linha tênue entre vontade de justiça e fome de poder. O promotor-chefe ambicioso e cada vez mais sem escrúpulos de Giamatti dá cartadas surpreendentes na 2ª temporada de Billions, e na batalha de atuações com o sempre fenomenal Damian Lewis, as emoções à flor da pele e a postura “fechada” de Giamatti, perpetuamente tenso, vencem cena após cena, episódio após episódio, e temporada após temporada.
12. Andrew Rannells (Girls, 6ª temporada)
Era fácil amar a performance de Andrew Rannells em Girls quando seu Elijah era um “amigo gay sarcástico”, porque Rannells é melhor do que a média dos atores de Hollywood em interpretar esse estereótipo. Nas últimas duas temporadas da série (e especialmente na última, que saiu nesse ano), no entanto, Elijah se viu obrigado a crescer além desse estereótipo e buscar o lugar onde ele se encaixava no mundo, exatamente como as protagonistas femininas da série da HBO. O resultado foi uma jornada modulada com sabedoria imensa por Rannells, que nunca perdeu o sorriso de lado de rosto que marcava a ironia tão atraente em Elijah, mas adicionou a sua performance dicas sutis de sua experiência mais profunda. Eternamente atraente (e não em um sentido estético apenas) em tela, Rannells agarrou a oportunidade de trilhar caminhos pouco usuais com um personagem que já interpretou dezenas de vezes na TV e no cinema, e mostrou que é muito mais ator do que sua carreira o permitiu ser.
11. Evan Peters (American Horror Story: Cult)
American Horror Story tem uma longa tradição de atores segurando com unhas e dentes os cacos da história que Ryan Murphy resolve atirar no chão quando se cansa das próprias ideias. Foi o que Jessica Lange, Sarah Paulson e Angela Bassett fizeram com Murder House (1ª temporada) e Coven (3ª), e o Denis O’Hare e Kathy Bates fizeram com Hotel (5ª). Em Cult, no entanto, talvez a mais fragmentada e errante história de Murphy até hoje, a responsabilidade cai sobre os ombros de Evan Peters, e o ator mostra que seus músculos de atuação são tão tonificados quanto os das companheiras e companheiros de série. Como Kai, ele tece uma teia de aranha grudenta e inescapável de loucura e lucidez, fascinação e repulsa, admiração e desprezo. Ele é patético e formidável, poderoso e facilmente esmagável – uma performance perfeita para um ano que mostrou tudo isso e muito mais nos líderes masculinos que escolhemos em todas as áreas da nossa sociedade.
10. Milo Ventimiglia (This is Us, 1ª/2ª temporadas)
Através de seus papéis em Gilmore Girls e Heroes, Milo Ventimiglia nunca me impressionou como ator. This is Us é a prova de que ele só precisava do personagem certo – e o personagem certo é Jack, o patriarca da família Pearson, o literal fantasma que paira sobre todos os procedimentos da storyline passada no presente, e nos aparece como uma figura quase utópica na primeira metade da temporada de estreia da série. Venitmiglia já era bom em transmitir a paternidade pura e benévola de Jack, sua masculinidade até então nada confusa, mas é quando This is Us resolve explorar o lado sombrio do personagem que ele realmente brilha. O Jack alcoólatra, ciumento e por vezes duro com seus filhos que passamos a conhecer é tão identificável e envolvente quanto o outro, a construção utópica do pai perfeito, porque Ventimiglia o provém com uma dor existencial excruciante, expressa no fundo dos olhos, e entende a tragédia do estoicismo masculino que não a deixa transbordar.
9. Ted Danson (The Good Place, 1ª/2ª temporadas)
Não é nenhuma surpresa que Ted Danson entregue uma boa performance em The Good Place. Esse é o homem, afinal, que criou um dos protagonistas de sitcom mais lendários da TV americana (o Sam Malone de Cheers). Seu retorno à comédia televisiva seria bem vindo de qualquer forma, mas era difícil estar preparado para o que ele fez com o Michael de The Good Place – primeiro, porque o personagem não é exatamente humano, e Danson encarna isso com deleite. As reações mais alienígenas à humanidade acontecem quando Michael é confrontado com coisas, sentimentos e realizações estrangeiras a sua realidade, e Danson está sempre completamente a bordo da narrativa absolutamente imprevisível de The Good Place. Sua performance é diabolicamente envolvente e flagrantemente genial nos detalhes mais inesperados, e Danson é capaz de transmitir mil intenções em um só olhar, o que cai como uma luva para Michael.
8. Louie Anderson (Baskets, 2ª temporada)
Em um ano no qual muitos homens foram expostos por sua total falta de sensibilidade, respeito ou mínima decência em sua relação com as mulheres, um ator em Hollywood continuou entregando uma das performances mais compassivas, inteligentes e amáveis da TV… na pele de uma personagem feminina. O comediante Louie Anderson levou sua Christine Baskets para outras alturas emocionais na segunda temporada, construindo-a para além da matriarca deliciosamente familiar que nos apareceu como uma revelação no primeiro ano – aqui, a profundidade de Christine, das indignidades que ela sofreu e sofre em sua vida, e da vindicação simples que ela é capaz de tirar de momentos pequenos, que sob qualquer escala que não a lupa perfeita dos roteiristas de Baskets seriam insignificantes, adquirem proporções emocionalmente épicas. Anderson aceita o desafio de criar uma mulher complexa e real de sua caricatura, e poucas jornadas de audácia foram mais bem sucedidas que a dele em 2017.
7. Freddie Highmore (Bates Motel, 5ª temporada)
Há muito pouca apreciação pela genialidade de Freddie Highmore durante as cinco temporadas de Bates Motel, e especialmente da terceira adiante, quando seu Norman Bates entrou em uma espiral descendente de tons violentos, traumatizantes e emocionais. Na última leva de episódios, lançada nesse ano, o ator encontra a dimensão trágica da jornada de Norman, e expressa sua desoladora solidão de uma maneira que Anthony Perkins, no filme original, só poderia sonhar. Highmore tira o melhor de uma exploração profunda e sincera, ainda que deliciosamente melodramática, da psique de um assassino perturbado – ele encontra todos os botões certos para apertar, modulando sua performance entre o tocante, o assustador, o frágil e o kitsch, nunca perdendo de vista a série “delirante” em que está inserido, mas sempre buscando transcende-la para algo significativo. Se Bates Motel encontrou seu lugar como uma tragédia grega em linguagem de filme-B, Highmore foi indispensável para que ela chegasse lá.
6. Andre Braugher (Brooklyn Nine-Nine, 4ª/5ª temporadas)
Quando Brooklyn Nine-Nine não tem uma boa piada para fazer sobre determinada situação (o que não acontece muito frequentemente, diga-se de passagem), os roteiristas sabem que podem jogar qualquer linha de diálogo seca para Andre Braugher e ele arrancará um riso cristalino dela. É impressionante como o ator é capaz de encontrar novas maneiras de fazer rir a partir de idiossincrasias de seu Capitão Holt que já estão tão marcadas na cabeça do espectador. Braugher consegue ser constantemente a melhor coisa em uma das mais consistentes sitcoms da TV americana atual, e conjura um personagem verdadeiramente interessante e carismático a partir do que poderia ser apenas um desafio barato aos estereótipos. Brooklyn Nine-Nine só conseguirá perder a graça quando Braugher deixar de ser Braugher – ou seja, é melhor esperar sentado.
5. Sterling K. Brown (This is Us, 1ª/2ª temporadas)
Há uma qualidade na performance de Sterling K. Brown em This is Us que eu raramente vi em outras na TV ou no cinema – seu Randall é como um parafuso sendo lentamente girado para fora da parede onde viveu por anos a fio. Durante o arco final da primeira temporada e o começo da segunda, isso é verdade sobre seu vício em trabalho, sua necessidade de ser perfeito em tudo o que faz, sobre sua relação com o pai biológico (William), e sobre seus conflitos com o próprio passado ao se tornar o pai adotivo de uma jovem traumatizada (Deja). A maior virtude de Brown é a paciência em explorar os recôncavos desse personagem complexo, e a sabedoria de escolher quando mostrar determinadas partes mais vulneráveis dele, tudo enquanto criando-o com um humor particular que só o faz ainda mais vívido na memória do espectador, mesmo quando sobrem os créditos da série.
4. Matthew Rhys (The Americans, 5ª temporada)
O grande triunfo de Matthew Rhys nas primeiras temporadas de The Americans foi deixar o seu Phillip se esconder sob a sombra da interpretação gigantesca de Keri Russell como Elizabeth, mas a mudança de marés na série revelou uma dimensão ainda mais excepcional, e sutil, em seu trabalho. Ver Phillip na 5ª temporada é ver um personagem que foi construído nos mínimos detalhes, nas mínimas interjeições e expressões ao longo dos anos, tomar a frente de uma narrativa que quebra o coração, provoca a mente e ataca um senso de mortalidade (e moralidade) que é o próprio cerne de cada espectador. Rhys é pura ira e frustração, expressa tremenda exaustão e desilusão ideológica, em todos os nem tão pequenos espaços que a série lhe reserva. Russell é grande demais para caber em sua sombra, mas o tempo na pele de Phillip transformou Rhys em um titã.
3. Cameron Britton (Mindhunter, 1ª temporada)
Assistir lado a lado as entrevistas reais com o serial killer Edmund Kemper e a atuação do ator Cameron Britton na pele do personagem em Mindhunter é impressionante, sim – mas não apenas pelas semelhanças óbvias. Pelo contrário, é impressionante vê-lo pelas diferenças sutis que ele criou especialmente para a câmera do produtor (e diretor, em vários dos episódios nos quais Britton aparece) David Fincher. Um grande ator, ao retratar um personagem real, entende o que deve ser copiado e o que deve ser acrescentado para torna-lo mais “plástico” do que ele é na vida real. Britton, com seu ritmo e melodia particulares na voz, sua dicção cuidadosa, seus movimentos bruscos e sua presença física imponente, consegue ser muito mais ameaçador, por vezes muito mais real, do que o Edmund Kemper preservado nas entrevistas para a TV. É uma obra prima renascentista do chiaroscuro em forma de atuação – cheia de detalhes escondidos nas sombras que a fazem ainda mais incômoda do que ela deveria ser.
2. Kofi Siriboe (Queen Sugar, 2ª temporada)
Parte fundamental do que torna a performance de Kofi Siriboe como Ralph Angel uma experiência tão tocante em Queen Sugar é sua vulnerabilidade. Em uma série liderada por mulheres e (muito importantemente) dirigida por mulheres, Siriboe tem a permissão para fazer o que, normalmente, só atrizes podem: criar um personagem à flor da pele, que expõe suas emoções sem medo e, por todos os seus defeitos e obstáculos pelo caminho, entende o valor da sinceridade sobre o orgulho. Sua atuação cresce inestimavelmente da 1ª para a 2ª temporada, mas só porque os dilemas de Ralph na trama também crescem – ver Siriboe encarnar de forma honesta, direta e emotiva um homem que navega pelos problemas de um relacionamento cheio de bagagem ou as dificuldades de ser pai de um filho ligeiramente “diferente” é de tirar o fôlego, porque tão raramente vemos homens fazerem isso na ficção. O mérito está nas mulheres que criam Queen Sugar, mas também no pulso e na garra de um ator de potencial ilimitado.
1. Rami Malek (Mr. Robot, 3ª temporada)
Rami Malek não tem competição entre os intérpretes masculinos da TV hoje em dia. Pode parecer difícil dizer tal coisa com essa clareza absoluta, mas testemunhar o que ele faz como Elliot em Mr. Robot é uma experiência e uma viagem emocional que se recusa a ser ignorada. Sua trajetória nessa terceira temporada da série é muito mais sutil do que o usual, despida em sua grande parte dos monólogos épicos nos quais ele sempre enterrou os dentes com gosto durante os dois anos anteriores. Ao invés disso, o criador Sam Esmail permite que Malek encontre o cerne emocional de seu Elliot e o deixe transbordar pelos olhos, pela postura, pelos movimentos e pela voz de uma forma que não vimos antes. Três temporadas e 32 episódios depois, o ator ainda consegue prender a atenção de forma resoluta e, ainda mais prodigiosamente, surpreender o espectador com cantos escondidos do personagem.
Menções honrosas
O universo amplo da TV de hoje em dia significa que não conseguimos “espremer” nessa listinha todo mundo que queríamos. Eis algumas performances que quase entraram: é impossível tirar os olhos de Paul Bettany (na foto) em Manhunt: Unabomber; Jason Bateman surpreende com uma atuação nervosa e dramática em Ozark; Jonathan Groff entrega performance detalhista e incômoda em Mindhunter; Noah Schnapp é uma revelação emocional na 2ª temporada de Stranger Things; Joseph Gilgun brilhou mais do que seus colegas de elenco no segundo ano de Preacher; e Will Tranfo e Nat Wolff se destacaram no amplo elenco da antologia Room 104.
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