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Moana, princesas e a revolução a conta-gotas da Disney

Nos meses antecedendo o lançamento de Moana: Um Mar de Aventuras nos cinemas brasileiros, o desenho teve a oportunidade de passar pela maioria dos outros mercados internacionais e arrecadar mais de US$400 milhões de bilheteria. Para todos os efeitos, portanto, é mais um sucesso do setor de animação da Disney no século XXI, embora um não tão estrondoso quanto Frozen, que acumulou mais de US$1 bilhão ao redor do mundo em 2013. Nem todos eles precisam ser Frozen (ou Zootopia), no entanto,  como o próprio Operação Big Hero provou em 2014 ao amealhar a respeitável soma de US$657 milhões.

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Nesses meses que acompanhamos o impacto financeiro do filme, no entanto, acompanhamos também o impacto cultural. Moana: Um Mar de Aventuras chegou aos EUA com a pressão de ser o primeiro projeto de Lin-Manuel Miranda após o sucesso estrondoso de Hamilton, musical da Broadway que foi um dos grandes fenômenos populares em qualquer área do entretenimento em 2016. Talvez por isso, o foco nas músicas escritas por Miranda e, inclusive, cantadas por Dwayne Johnson (que faz a voz do semi-Deus Maui no original), foi maior do que no da própria narrativa da princesa, que costuma estar sob análise minuciosa nesses últimos tempos.

Reunião (parcial) das princesas da Disney
Reunião (parcial) das princesas da Disney

Nessa histeria causada pelo lado musical do filme, foram abafados, talvez para o alívio da própria Disney, as sempre ressuscitadas discussões sobre a validade da franquia das princesas em tempos modernos, e a mensagem que ela passa para as crianças. Mesmo assim, aqui e ali, burburinhos surgiram: descobrimos que a cantora Alicia Keys proíbe suas filhas de assistir os filmes antigos das princesas (especialmente Branca de Neve); e encontramos pelo menos um professor que introduziu um currículo desvendando as problemáticas em torno de A Bela e a Fera, um alvo preferencial com a aproximação da versão com atores protagonizada por Emma Watson.

Por vezes, essa discussão pode parecer boba. Afinal, são só princesas, só uma franquia de desenhos animados, só entretenimento. O Observatório do Cinema sempre rejeitou essa noção de “só entretenimento” em tudo o que analisamos, e é talvez ainda mais importante rejeitá-la no caso das animações da Disney por conta do público preferencial que elas atingem: as crianças (por mais que adultos da minha geração, por exemplo, nunca tenham se desligado da paixão pela animação). Engana-se quem pensa que esse público não absorve a mensagem e o significado do que assiste – de forma direta ou inconsciente, um ideal de diversidade e igualdade pode ser plantado, tanto quanto um de ódio e opressão. E é por isso que, às vésperas de Moana, precisamos falar das princesas da Disney.

Elsa em Frozen

Passos de bebê

“Eu estou com um sentimento muito bom em relação à Moana, mas também mantenho o pé no chão. As pessoas estão com uma expectativa muito alta em relação às produções da Disney, e essa expectativas ainda não está sendo completamente atendida pelo estúdio”, me contou a Vanessa Dias, de 23 anos, fã das animações da Disney. “Chamaram Frozen de revolucionário pelo simples fato de ser um filme com princesas que desconstrói essa ideia de princesa que gira em torno de seu Príncipe Encantado. Tudo isso tem sido muito bom – mas ainda são passinhos de bebê rumo a histórias que o público realmente quer e precisa consumir. Ainda podemos fazer muito mais”.

Esse sentimento de que a Disney caminha com “passos de formiga e sem vontade” em direção a um futuro brilhante de verdade existe desde que o estúdio comprou a Pixar, em 2006, e colocou o diretor de Toy Story e Carros, John Lasseter, no comando de todo o seu departamento de animação. Sob o comando de Lasseter, a Disney saiu de um estado letárgico e congelado no tempo para produções cada vez mais vibrantes, que começaram a conquistar o público por sua pura criatividade. Como grande corporação, no entanto, a Disney procura criar uma aparência de evolução e progresso social sem perder a parte do público que vê isso com maus olhos – e, no final das contas, somos nós que ficamos aqui discutindo o que é o que.

Mulan

“[Quando era criança], eu não queria adorar histórias de princesas que, para mim, mal tinham voz e personalidade. Gostava das princesas que tinham histórias, preferencias e gostos além do par romântico”, conta a Vanessa. “Acho que também gostava mais dessas histórias por causa do príncipe – que também ganhou um pouco mais de personalidade com o passar dos filmes, desceu do cavalo branco e mostrou defeitos, medos e um pouco mais de humanismo. O Fera é um exemplo muito bom disso. O primeiro grande aprendizado mesmo foi, com certeza, com Mulan. Foi com ela que eu vi, pela primeira vez mesmo, como uma mulher pode ser independente, forte, protagonista de sua história, heroína de sua família”.

“É muito complicado você apresentar uma história de séculos atrás para uma criança da atualidade, fazer com que ela se espelhe em algo que não faz – e nem deve fazer – mais parte da sua realidade. Eu consigo enxergar beleza e personalidade em quase todas as princesas”, disse ainda minha entrevistada. “Consigo entender o porquê da Cinderela sonhar com uma vida melhor à que sua madrasta lhe proporcionava, e ver no baile do Príncipe sua válvula de escape. Consigo ver a Bela com muita personalidade por querer algo mais do que a pequena vila em que vivia tinha para dar – mas não é o tipo de representatividade que as crianças precisam hoje, e há muito a se problematizar nessas histórias, com certeza”.

Emma Watson como Bela

O próximo estágio

Particularmente, eu não costumo contar Alice no País das Maravilhas (2010) como o começo da franquia de reimaginações com atores de clássicos animados da Disney. Aquele filme é tão único, e fez um sucesso tão estrondoso, que seu papel na concepção de outros projetos do tipo é tão inegável quanto sua desconexão dos mesmos. Robert Stromberg não é nenhum Tim Burton em termos de estilo inconfundível, e é talvez aí que Malévola (2014) seja a concepção verdadeira dessa “nova franquia” que já produziu Cinderela (2015) e Mogli – O Menino Lobo (2016), e vai produzir A Bela e a Fera (2017) e Mulan (2018), além de muitos outros projetos a caminho.

Falando de A Bela e a Fera, particularmente, o clássico de 1991 vai ser refeito com Emma Watson no papel  da princesa, e as declarações abertamente feministas da atriz sobre o papel, assim como as mudanças que ajudou a equipe a fazer na personagem, já tem causado discussão entre fãs da Disney. Sua Bela não usa espartilho no clássico vestido amarelo, e é uma inventora (no desenho, era seu pai que tinha essa profissão). Em Malévola, a polêmica foi em torno de focar a história na vilã de A Bela Adormecida e subverter a trama para apresenta-la como uma entidade “nem tão má assim”, enquanto Cinderela tentou incutir sua princesa de mais força de vontade ao invés de fazê-la vítima da circunstância (missão na qual Lily James foi mais eficiente que o roteiro, diga-se de passagem).

“Acho extremamente válido que as adaptações mantenham a fidelidade à história original. O trailer da adaptação de A Bela e a Fera chega a dar arrepios por ser exatamente igual ao trailer do desenho original. Nossos corações de fãs gostam desta fidelidade, prezamos por ela. Não há nada pior que vermos uma releitura que acaba com uma obra que adoramos. Mas essa fidelidade não significa mesmo manter a obra completamente intacta”, ressalvou a Vanessa. “Isso só nos faria repetir os mesmos erros e problematizações que já apontamos tanto sobre os desenhos originais das princesas. Talvez falte um equilíbrio entre repaginar algumas informações e manter a história original. Mas, no geral, acho que a onda dos live action tem muito a acrescentar, a repaginar uma história clássica”.

Nesse cenário em que a Disney parece o oásis em meio ao deserto criativo de Hollywood, especialmente no sentido de ser governada por uma cultura criativa que passa pela animação do estúdio, pela Pixar, pela Marvel e pela Lucasfilm, talvez seja ainda mais importante apontar que ainda podemos ser melhores. A política do “dois passos para frente, um para trás” não é o bastante. “Falta representatividade ainda – e isso eu digo de todos os aspectos, seja falando de raça, etnia, orientação sexual, personalidade. É por isso que ansiamos tanto pelas novas produções. A Disney precisa enxergar isso, trazer princesas – além de príncipes e personagens coadjuvantes também! – que enxerguem a mulher como ser independente, forte e capaz de escrever e fazer sua própria história”, completa a Vanessa.

Talvez seja melhor esperarmos sentados (em uma poltrona de cinema) – mas, calados, jamais.

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