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Porque Homem de Ferro só se tornou um herói em Vingadores: Ultimato

ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS DE VINGADORES: ULTIMATO!

O Tony Stark/Homem de Ferro de Robert Downey Jr. é, provavelmente, a única representação da personagem que uma grande parte do público conhece. Apesar de ser considerado carro-chefe da Marvel, já que é importante parte do grupo Vingadores, a popularidade da personagem era ínfima quando comparada com o sucesso que Homem-Aranha e os X-Men faziam nos quadrinhos. Prova disso é que estes começaram uma interessante caminhada que seria consagrada com o início da trilogia Batman de Christopher Nolan em 2005 e culminaria no filme próprio do herói em 2008. Homem de Ferro viria a ser o primeiro passo da Marvel Studios em sua ambiciosa ideia de criar um universo interligado de filmes.

Em seu primeiro filme, a personagem para a qual somos apresentados é tudo, menos um herói. Stark é um herdeiro playboy das Indústrias Stark, uma empresa focada no mercado armamentista. Longe de se importar com qualquer coisa além de seu prazer imediato, sua posição como milionário serve como escudo para sua vida de festas regadas com bebidas e mulheres. Ao mesmo tempo, sua genialidade é um reflexo de sua relação com o pai, Howard Stark. Um homem que, posteriormente, entenderíamos ser mais importante na história de outros super-heróis do que poderíamos imaginar. Assim, Tony se mostra entre uma busca incessante de continuar o legado de seu pai e a certeza que, pós a sua morte, nunca terá a confirmação do próprio ai sobre seu orgulho.

Stark levava uma vida na qual objetificava toda e qualquer relação que possuía, fossem essas relações com mulheres que acabara de conhecer ou com pessoas próximas, como Happy Hogan, Pepper Potts ou Obadiah Stane. Seguindo a lógica proposta pelo monomito e identificada por Joseph Campbell em seus estudos sobre a Jornada do Herói, dado que seu posto como “especial” já lhe é implicado pela sua genialidade, o “chamado” para sua trajetória à ascensão vem em forma de um sequestro. Trancafiado em uma caverna onde é obrigado por seus captores a produzir uma arma, ele conhece Yinsen, um total estranho que mudaria por completo a sua vida.

Com a vida em risco após estilhaços de sua própria arma estarem envenenando o seu corpo, Stark consegue reproduzir uma versão miniatura do reator Arc. O reator, que é uma invenção de seu pai e alimenta as Indústrias Stark, acaba por impedir que os estilhaços cheguem ao coração do captivo. Mas ao conseguir recriá-lo, Tony percebe que este pode alimentar também uma maneira dele sair vivo dali. Com a ajuda de Yinsen, ele cria o protótipo do que viria a ser o Homem de Ferro e foge da caverna, mas não se evitar a morte de seu companheiro de cativeiro. Mais do que uma morte, Yinsen se sacrifica pela vida de Stark, o que traz uma mudança radical na sua postura, ao menos em relação aos negócios.

Repensando sobre o mercado de armas, Tony anuncia o fim das Indústrias Stark nesse campo, ao mesmo tempo em que começa a trabalhar no aperfeiçoamento de sua nova invenção: uma armadura capaz de transformar um homem em praticamente um exército. Enquanto o Capitão América pode ser considerado um Super Soldado, o Homem de Ferro pode ser visto como um soldado Super Armado. Contudo, o filme não deve ser visto como o nascimento de um herói. O conflito gerado na trama, que culmina com Stane, seu sócio, criando uma versão mais pesada do Homem de Ferro, é restrito à uma disputa de poder dentro de uma empresa e, mesmo salvando Pepper no fim, não é mais do que um homem lutando por sua posição de poder. Seu ego não é deixado de lado e é somente reafirmado com o final do filme, quando Stark se revela publicamente como o Homem de Ferro. O próprio Nick Fury, na cena pós-créditos, faz questão de dizer ao herói que ele não é o primeiro “super-herói” (não que ele fosse um naquele momento) e que agora ele fazia parte de um universo maior do que ele mesmo.

Homem de Ferro 2 ainda não traz uma jornada altruísta da personagem, já que Tony é confrontado pelo seu sobrenome e por sua própria invenção. Apesar do conflito ser maior do que no primeiro, os passos dados por Tony no longa ainda não o tornam um herói de fato, mas um playboy em uma armadura. Novamente seu conflito se dá para a manutenção do poder em suas mãos, tendo como adversários outro empresário e o próprio governo dos Estados Unidos. O governo é representado na figura de James Rhodes, que acaba se unindo ao herói para, no final, enfrentar Justin Hammer e Ivan Vanko, que se unem para dar um fim ao protagonista. Enquanto Hammer quer o fim do Homem de Ferro, Vanko quer o fim de Stark. Novamente, Tony triunfa em uma jornada pessoal.

É em Os Vingadores que a personagem começa a dar sinais de altruísmo. Apesar do crossover ser um filme que não só tinha a missão de trabalhar a dinâmica de personagens já apresentadas, mas também apresentar novas personagens (Não só Gavião Arqueiro e Maria Hill debutaram de fato no longa, mas Viúva Negra precisava ser melhor trabalhada, assim como Bruce Banner repaginado após a saída de Edward Norton), o vilão ser Loki acabava colocando Thor como uma personagem central, ao mesmo tempo em que começávamos a ver o que viria a ser uma futura incessante disputa entre Tony e Steve Rogers. O crossover proporcionou o nascimento de uma equipe de superhumanos, mas não ainda uma ascensão de Tony, ou de qualquer outro da equipe. Talvez possa se dizer Rogers já havia ascendido como um herói, mas um herói dos anos 40, da Era de Ouro, e não aquilo que o momento atual necessitava de se chamar de herói.

No passado, a própria Disney havia usado o conceito da Jornanda do Herói no longa-metragem de animação Hércules. Explorando o monomito clássico, uma conversa entre o protagonista e Zeus explica de forma bastante didática que, derrotar vilões, salvar pessoas e ter “até bonequinhos” não fariam do semi-deus um “verdadeiro herói”. Esse paradigma pode e deve ser aplicado ao analisarmos o processo de ascensão de Tony, que até então havia mudado mais o mundo ao seu redor com avanços tecnológicos do que de outra forma. Claro que salvar Nova Iorque, que novamente para Hollywood representava o mundo, é um ato a se considerar. Mas vendo o MCU como um todo, como uma história dividida em 22 partes, com diferentes protagonismos, esse era só mais um passo em rumo ao sacrifício de Stark.

O passo, de fato, é o trauma causado pela invasão alienígena. Se Nick Fury convenceu o grupo a se unir, Loki e o exército chitauri ajudaram a fazer Stark aceitar o argumento de Fury de que o mundo estava demasiadamente desprotegido perto dos novos perigos. Isso leva o herói para um novo momento de egocentrismo, que começa a ser explorado no sucesso de bilheteria e fracasso de crítica Homem de Ferro 3. A criação da Legião de Ferro, que o fez pular da Mark VIII para a Mark XLII em apenas um filme, era até então a prova de que Tony se considerava acima dos outros Vingadores. Há de se perceber que, como o filme por si só tem como intenção mostrar um Tony Stark privado não só de seus companheiros, mas também de sua armadura, ao menos no primeiro ato, pode se argumentar que a Legião de Ferro é uma criação para uma situação emergencial. Contudo, ao analisar o MCU como um todo, o panorama é outro.

Vingadores: Era de Ultron mostra como Stark consegue ao mesmo tempo que trabalha em harmonia com sua equipe, ainda focar em sua própria arrogância. Talvez o maior símbolo disso seja uma frase dita no filme e retomada por Tony em Vingadores: Ultimato. Stark assume que, se pudesse, colocaria uma armadura ao redor de todo o mundo. Não uma proteção, uma equipe, um escudo. Mas, sim, uma armadura, fazendo uma alusão a sua própria criação. Como sabemos, o tiro sai pela culatra, e sua tentativa de salvar o mundo do seu jeito resulta em Ultron, o grande antagonista da trama. Apesar de tudo acabar bem, ou ao menos os heróis vencerem Ultron e manterem a harmonia da equipe, essa não seria a última dor de cabeça entre Tony e os Vingadores.

Em Capitão América: Guerra Civil, quando os Vingadores são intimados a se registrar pelo governo, há uma nova rixa entre Stark e Rogers. Mesmo que nenhum dos lados possa de fato ser considerado irrazoável, a escolha de colocar o arco da Guerra Civil em um filme teoricamente solo do Capitão América já tem o intuito de induzir o espectador a escolher o lado de Rogers nessa disputa. Não só Tony acaba escolhendo o governo ao invés de muito de seus amigos, mas quebra mais ainda seu caráter de aspirante à herói quando deixa se levar pelo desejo insensato de vingança contra Bucky Barnes. Sua mediocridade perante o acontecido é ainda mais exaltada quando vemos que T’Challa, o Pantera Negra, que se encontra em uma situação análoga de Tony, deixa de lado sua perseguição quando lhe é mostrado que Barnes é somente mais uma vítima da HYDRA, assim como seu próprio pai, T’Chaka.

Em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, sua participação pouco acrescenta ao seu arco pessoal. Assumir o papel de mentor de Peter Parker em sua jornada é um feito celebrado pelos fãs, mas é só mais uma conexão pessoal dada ao personagem. É claro que, sim, essa relação traz toda uma profundidade para sua personagem quando entramos no campo de seus traumas pessoais. A relação de Tony com Howard Stark permeia os filmes e ajuda a compreender suas ações como Homem de Ferro. Contudo, sua relação com Peter é mais importante para explicar o autoproclamado gênio, playboy, bilionário e filantropo, não o homem que veste a armadura. Tomar para si mais essa responsabilidade é um novo ato arrogante, e isso é evidenciado em Vingadores: Ultimato no momento em que Tony chega ao planeta Terra.

Em Vingadores: Guerra Infinita, Tony se mostra mais uma vez egocêntrico quando se recusa a chamar Steve para ajudá-lo em Nova Iorque. Mesmo que a falta dessa reunião não seja um fator decisivo para explicar a vitória de Thanos, suas atitudes continuam sendo a de uma pessoa que, mesmo se preocupando com os demais, não consegue passar por cima de si mesmo. Após a derrota, já em Vingadores: Ultimato, as primeiras frases de Tony ao rever o antigo aliado são “Eu não consegui impedi-lo” e “Eu perdi o garoto”. Parafraseando Steve Rogers: “Nós todos perdemos, Tony”. Após quase morrer no espaço, Tony constata que não lutou com Thanos, mas somente levou uma surra. Logo, por não ter ele conseguido vencer o vilão, já o considera invencível.

O fechamento do seu arco, e de 11 anos de MCU, no 22º filme do universo compartilhado, é, na verdade, a sua verdadeira ascensão. Não é que Tony Stark não tenha tido momentos heroicos nesses anos. Mas dentro de sua armadura, sempre existiu um homem quebrado. Não somente por isso, mas é seu sacrifício no final de Vingadores: Ultimato que pode ser considerado o fim de jornada. Como o próprio narra ao final do longa, parte da jornada é o fim, e é o fim que o eleva finalmente ao posto de herói. Depois de uma longa caminhada, onde é criado uma espécie de paradoxo onde Tony Stark cria o Homem de Ferro mas o próprio Tony Stark não é capaz de deixar a si mesmo vir a ser o que o Homem de Ferro representa ou deveria ser.

Ao salvar a Nova Iorque da bomba, ao mesmo tempo que elimina o exército chitauri, Tony não caminha para a morte. Ela poderia vir a ser consequência, de fato. Mas ao estalar o dedos para eliminar Thanos e seu exército, Tony sabe que não haverá amanhã para si. Se mirarmos os cinco estágios do luto propostos por Elisabeth Kupler-Ross, é nítido que, em sua nova vida pacata com Pepper Potts e Morgan, Stark atingira há muito a aceitação. Largar seu conforto para reverter o feito de Thanos e, no processo, sacrificar a vida por isso, é o ápice de sua jornada e sua verdadeira ascensão. “Eu sou o Homem de Ferro” foi verdade como nunca antes.

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