Críticas

Crítica | O Contador

Os filmes de ação às vezes são apenas um reduto para realizadores mais acomodados. Basta uma simples cena de ação para acreditar que assim agradará um público cativo desse tipo de filme. Felizmente há exceções, quem conhece o trabalho de Walter Hill e John Milius, por exemplo, sabe que é possível fazer um cinema de gênero bastante interessante. Sem comparações estilísticas e temáticas, o diretor Gavin O’Connor ratifica essa tese, e realiza o interessante O Contador.

Estrelado por Ben Affleck, o filme acompanha a história de Christian Wolf, um autista com síndrome de Asperger incrivelmente brilhante com números e contas, mas impossibilitado de socializar. Por essas duas condições o homem vira um bem sucedido contador, sendo contratado por todos os tipos de organização criminosa do mundo, uma vez que não nutre nenhum vínculo com seus clientes. O longa parte em duas frentes para mostrar a vida deste homem, primeiro Wolf investigando um rombo financeiro dentro de uma grande corporação e a segunda guiada por dois agentes do tesouro nacional, Raymond King (J.K. Simmons) e a agente Medina (Cynthia Addai-Robinson), que procuram descobrir quem é aquele contador.

Dessa forma, o que mais importa na película dirigida por O’Connor e escrita por Bill Dubuque não é a trama em si, mas sim como aquele personagem relaciona-se em seu mundo. O Contador é um estudo de personagem antes de qualquer coisa, investigando o íntimo de suas habilidades, de seu psicológico e até mesmo de suas escolhas profissionais. O filme coloca seu protagonista no limite entre o bem e o mal, entre ser um anti-herói, ou um benfeitor por completo. Na falta de socialização de Wolf, não há limites morais para seus atos como se o bem pudesse conviver perfeitamente com escolhas moralmente questionáveis. fato que torna o protagonista um ser interessante não somente por suas habilidades com os números, com as armas, ou sua extrema frieza, mas porque age sob suas próprias regras, não sendo regido pelas leis de uma sociedade.

As duas correntes narrativas do filme servem justamente para construir o personagem. A investigação dos agentes federais funciona para mostrar o passado de Wolf, e essa procura por aquele homem também possui seu avanço narrativo, começando como uma busca a um simples figurão do crime organizado para concluir quem Christian Wolf realmente é. E também sua jornada naquela intriga de corrupção, em que pouco a pouco vai mostrando seus valores e como realmente se utiliza daquelas instituições duvidosas para benefício próprio e dos outros.

E é surpreendentemente bom notar que o filme, diferentemente dos exemplares do gênero, não confunde agilidade com pressa. O Contador dá tempo para criar uma relação entre o protagonista e o público. Por exemplo, quando mostra o cotidiano de Wolf, como aquele homem se relaciona com os clientes normais, seu relacionamento com as poucas pessoas a seu redor e seus hábitos nada convencionais dentro de casa. Assim, esse tempo dado pelo filme é importante para estabelecer certo fascínio com aquela figura, e também para possibilitar surpresas ao longo da projeção. Como a primeira vez que Wolf pega numa arma, demonstrando toda sua destreza, é uma grande surpresa que o pragmático contador nutra tal habilidade. Dessa forma, desde o início, o longa consegue causar uma forte relação com aquele protagonista.

Vale ressaltar o bom trabalho de Ben Affleck dentro desse personagem. O ator talvez tenha encontrado seus melhores papéis nas figuras mais gélidas, que centram sua atuação não numa entrega emocional, mas sim num distanciamento dessas relações. E é interessante como o filme consegue nesse pragmatismo de Wolf, muito bem representado por Affleck, extrair um pouco de humor das situação. A graça está justamente em Wolf agir sempre de modo inverso ao esperado nas convenções sociais. Assim, esses momentos ajudam a criar uma empatia única com aquele ser, a atuação de Affleck faz com que público tenha interesse não só pelo anti-herói e suas habilidades, mas também suas características mais peculiaridades.

Esse humor é capaz de imergir mais ainda o público naquela história, e mesmo com essas tiradas o filme preserva sua atmosfera, que extrai tensão dos atos de seus personagens. A comédia de O Contador não se encontra para amenizar os atos de seus personagens. Os assassinatos cometidos, as fugas realizadas e o perigo tem um peso real nessa trama, a veia cômica encontra-se nesse ambiente mais individualizado de Wolf e não nas suas missões. Dessa maneira, a película se mantém com êxito no seu habitat natural, o filme de ação.

Sendo assim, O Contador é um filme que se sai muito bem no seu gênero, pois entende, perfeitamente, que nem só de pancadaria vive o cinema de ação. A película de Gavin O’Connor consegue dar importância a seus tiroteios, perseguições e lutas justamente por possuir um personagem cheio de nuances, que a cada sequência pode surpreender o espectador.

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